terça-feira, 11 de outubro de 2016

A jornada de auto-flagelação dos taxistas

Infelizmente, parte considerável dos taxistas, no dia-a-dia, já criam muitos anticorpos a passageiros. Os líderes associativos, da Antral e da Federação de Táxis, demonstraram nas intervenções de ontem estarem mais sintonizados com a citada parte podre, não revelando estofo e capacidade de argumentação para defesa sólida das causas motivadoras da manifestação de ontem.
O tom e a forma dos protestos, bloqueio de acessos ao Aeroporto de Lisboa, actos de destruição de carro da Uber, insultos e agressividade constituíram atitudes de auto-flagelação. Uns e outros, taxistas de mau porte e dirigentes incapazes, acabaram naturalmente por desperdiçar a oportunidade de colher apoios e compreensão da opinião pública. De facto, foi uma jornada de auto-flagelação.
Uns tantos temas, caso tivessem sido objecto de sólida argumentação pelos representantes dos taxistas, evidenciariam a existência de razões que lhes assistem.
Por exemplo, o secretário de Estado, J. Mendes, a certa altura comparou a concorrência entre a Uber e Cabify, por um lado, e os táxis, por outro, sustentando que era do mesmo género daquela entre cabeleireiros e pastelarias (programa ‘Pós e contras’ da RTP1). Este raciocínio absurdo não foi desmontado. Todas as pastelarias estão no mercado a competir segundo as mesmas leis de licenciamento e funcionamento, coisa que não sucede entre as plataformas e os táxis – as plataformas, diga-se, ainda nem sequer actuam ao abrigo de qualquer lei.
A facilitação do trabalho precário por parte dos operadores das plataformas face à legislação laboral vigente no sector dos táxis é outra desigualdade intolerável, com a agravante do governo declarar, através do PM e ministros, o propósito de combate ao trabalho precário.
As ligações da Uber ao maldito Goldman Sachs são reais (ver aqui). É do conhecimento geral que tal império financeiro não é propriamente um modelo de instituição idónea. Nada foi dito.
A parte de 25% cobrados pela Uber aos operadores é demasiado elevada e, naturalmente, será mais uma parte do rendimento nacional transferido para o estrangeiro.
O conceituado ‘The New Yorker’, embora sob a vertente da concorrência entre uma nova plataforma Juno e a Uber em New York, trata o caso de forma exaustiva e do extenso artigo traduzimos o seguinte trecho:
“[…] Os condutores souberam que a comissão de Juno era de dez por cento, "garantido para nossos primeiros vinte e quatro meses." (Uber normalmente cobra vinte e cinco por cento ou mais.) Em um a slide, intitulado "Exemplo de percurso", um gráfico de barras mostrou uma comparação entre um condutor da Uber e outro da Juno num percurso de trinta dólares: o condutor da Uber, após a comissão e os impostos e taxas, manteria $19,11, enquanto o motorista Juno receberia $23,61. "Para literalmente a mesma quantidade de trabalho, levas para casa quatro dólares mais." Smith disse e acrescentou: "E isto para um serviço. Pense em dez anos, mais de vinte anos."
Certamente, um dia, a Juno virá para a Europa e, aí sim, Uber e Cabify terão concorrência de peso. Se parte dos industriais de táxi tiverem uma visão estratégica e conseguirem descaracterizar e renovar as frotas, assim como seleccionar motoristas de elevado perfil, talvez possam tirar partido do ingresso da Juno no mercado português.