quarta-feira, 21 de março de 2018

O estrebuchar dos Hospitais Senhor do Bonfim (Vila do Conde)

acto de inauguração dos HSdoB - Manuel Agonia e Passos Coelho
 na Capela em 02-12-2014

O maior hospital privado do País está em agonia e em risco de encerramento em Abril próximo, anuncia o [Público], citando o Jornal de Negócios. Quem divulgou o caminho da tragédia foi o proprietário; por casual ironia, o senhor chama-se Manuel Agonia. Cada vez que escreve ou assina o nome, sofre pesada tortura.
O estado do Sr. Agonia é visivelmente de perturbação aguda. Desesperado, no ‘site’ do HSdoB está reproduzido um trecho de uma entrevista ao ‘Jornal Terras do Ave’. Foi categórico na defesa de extinção do Ministério da Saúde – e, pergunto, porque não a Organização Mundial de Saúde, assim como a Organização dos Médicos sem Fronteiras e todas as instituições, públicas ou privadas, que valem a doentes sem recursos para despesas de saúde?
Bom, vamos ao historial dos HSdoB. Na unidade, refere o ECO, foram investidos 100 milhões de euros, tendo sido inaugurada em 2 de Dezembro de 2014. Como a fotografia demonstra, lá estão o Sr. Agonia e o PM da ocasião, o Dr. Pedro Passos Coelho, hoje catedrático do ensino superior público (ISCSP).
O cenário seleccionado para ilustrar o acto foi uma capela. Poderia ter sido o bloco operatório, o laboratório de análises clínicas ou uma enfermaria. Mas não. A capela é o lugar crucial de qualquer hospital que prossiga o objectivo de prestação de cuidados de saúde, sobretudo a extrema-unção. O hospital, na óptica do Sr. Agonia, é um templo sagrado. Conquanto agnóstico, não resisto a citar o Padre António Vieira em o ‘Sermão do Mandato’ (1645):
“… o principal intento do Evangelho foi mostrar a ciência de Cristo, e o principal intento de Cristo mostrar a ignorância dos homens.”
Quanto à situação financeira, o Sr. Agonia alega que, há mais de um ano, o SNS é devedor dos Hospitais do Senhor do Bonfim. Acredito e as dificuldades de tesouraria agudizam-se pelo atraso de meses e meses da ADSE e outras instituições do Estado (um ano de atraso, penso). Sei desse tipo dificuldades, por experiência própria. São 500 mil euros que, argumenta, impediram o pagamento de salários dos meses de Janeiro e Fevereiro a 350 trabalhadores. Feitas as contas, e tomando por verdade que os citados 500 mil euros são a verba em falta para esses salários, conclui-se que o salário médio bruto dos HSdoB é de pouco mais de 714 mensais. Manifestamente escasso para profissionais hospitalares que incluem médicos, enfermeiros, técnicos de análises e de imagiologia, operadoras auxiliares e administrativos.
O que está em causa, acima da dívida inaceitável do Estado, é a sustentabilidade de uma unidade de saúde que foi projectada para facturar 44 milhões de euros anuais e, em 2017, viu esse valor ficar reduzido a 3 milhões. Estamos perante um investimento megalómano, sem a menor racionalidade económica, que, excluídos os doentes de convenções com Estado, no âmbito do SNS, não tem, de facto, a mínima sustentabilidade económica. Por que razão foi dimensionado com 549 camas, o dobro do Hospital da Luz em Lisboa? Por pura incompetência na concepção e realização do projecto. É o resultado dos empresários ambiciosos e impreparados que temos, assim como dos técnicos do projecto contratados.
Sugiro que o Sr. Agonia se aconselhe junto do Dr. Passos Coelho, agora catedrático de ‘Administração Pública’. Terá a receita milagrosa para solucionar o problema.
O Estado é sempre o alvo de acusações de empresários incompetentes, mas não compete aos contribuintes pagar asneiras dessa gente, muito menos da dimensão daquela que ditou a agonia do hospital do Sr. Manuel Agonia.
Termino com uma confissão: estou, de facto, demasiado agoniado com este caso e a forma como a comunicação social o trata.

terça-feira, 20 de março de 2018

UBER e o acidente da ‘Inteligência Artificial Estúpida’


Segundo se lê na imprensa portuguesa, mas também em ‘The New York Times’, a controversa UBER, a par de outras empresas, decidiu desenvolver um programa experimental de recurso a viaturas de condução automática (self-driving, em inglês). Resultado: uma dessas viaturas, em certo cruzamento da cidade de Tempe, no Arizona, colheu e matou uma senhora.
Sem qualquer interesse na defesa dos tradicionais táxis, onde, reconheço, há uma falta de educação crónica e generalizada de condutores, confesso não ser amante da UBER ou de qualquer outra plataforma do género. Com demasiada frequência, e em especial sobre a UBER, tenho-me deparado com notícias negativas: divergências a nível dos órgãos sociais no centro do poder da companhia nos EUA; mau funcionamento e exploração dos motoristas denunciados por jornais prestigiados norte-americanos; violação na forma concretizada de uma passageira na Índia por parte do motorista; vários actos de violação na forma tentada em outros países. Enfim, um role de casos repugnantes, que ficou alongado com o triste acidente no Arizona.
O objectivo mais desejado da UBER, sabe-se, é maximizar o lucro. Carros sem condutor traduzem-se na eliminação de custos e postos de trabalho. Como teorizou Thomas Pikkety, em ‘O Capital do Século XXI’, dos poucos trabalhadores a furtarem-se à desigualdade de rendimentos, contam-se os qualificados, em particular os que vivem de actividades nas áreas das novas tecnologias. Todavia, é preciso tomar em atenção que grande parte das mais-valias duráveis e aplicadas nos bens produzidos, neste caso carros sem condutor, são transmitidas a favor dos investidores, como rendimento de capital crescente.
O acidente em causa é, acima de tudo, um acontecimento trágico para quem morreu, familiares e amigos. Igualmente dramático é aquilo que significa ainda o desvario da ganância do capitalismo actual, na procura de obter rendimentos ainda mais elevados através da supressão de postos e de baixos rendimentos de trabalho.
Agora falamos de um carro de condução automática, multiplicando-se a extinção do trabalho humano através de outras viaturas do género, de equipamentos e sistemas tecnológicos sofisticados e em particular da robótica. É a vaga da Inteligência Artificial que, no Arizona, se revelou dramaticamente estúpida (como estúpido é o diálogo entre o robô Sofia e Cristiano Ronaldo, no anúncio da MEO, agora recorrente nas TV’s).
O brilhante físico Stephen Hawking, falecido há dias, na última ‘LIsbon Web Summit’, deixou uma advertência séria, de ameaça de riscos graves para a humanidade. Já não nos limitamos apenas ao caso da morte do Arizona ou à substituição de postos de trabalho por robôs. Com total transparência, Hawking, entre outras considerações, deixou o aviso:
É útil ler o texto da CNBC, no qual se referem os perigos da ‘Inteligência Artificial’, entre os quais os riscos de armas autónomas, de destruição maciça. Foi um dos últimos legados do ilustre sábio, Stephen Hawkings, ao mundo, em especial a cidadãos conscientes e a políticos que, a meu ver, desvalorizam a complexidade do tema.