terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A arrogância retribuída com delicada hipocrisia

Li e classifico de genericamente positiva a entrevista de António Costa ao 'Público'. Demonstra coerência em relação a várias mensagens da campanha eleitoral; campanha esta que, disse e repito, deveria ser sido mais enérgica. 
Também sei que Costa esteve muito entregue a si próprio nas digressões que fez pelo País - os apoios de Ana Catarina Mendes, Carlos César e Pedro Nuno dos Santos concentraram-se, acima de tudo, na fase de negociações com BE, PCP e PEV. A formação da maioria parlamentar tem igualmente especial mérito destes três socialistas.
Voltando ao conteúdo da entrevista, e sem me deter em pormenores com que concordo ou discordo, destaco duas breves passagens:

1)
Pergunta dos jornalistas:  Como vê a actuação do Presidente desde as eleições?
Resposta de A.C.:  O primeiro-ministro não avalia a actuação do Presidente.
Resposta curta, sagaz e inteligente. Em sintética afirmação, o PM voltou a colocar à distância o inquilino do Palácio de Belém no que respeita à relação institucional com governo, o qual, tem sublinhado Costa, depende da AR. Não de um PR em fim do 'prazo de validade' e de poderes felizmente limitados.

2)
Frase de A.C. em resposta à 6.ª pergunta: E percebo que a direita esteja irritada e respeito até algum azedume.
Na 'realpolitik', não há espaço para questões de ordem ideológica, muito menos para pensamentos ou divagações de ordem ética ou moral. Shakespeare, no legado cultural deixado ao mundo, integrou algumas frases que se celebrizaram. Eis uma delas: "O diabo pode citar as Escrituras quando lhe convém." 
Os cavalheiros da PàF, a decorar a governação do louco empobrecimento dos portugueses, usaram uma arrogância infame ilimitada. Quisessem ou não, Passos Coelho e Paulo Portas, devido à maioria relativa saída das eleições, perderam toda a capacidade de prosseguir na arrogante e leviana atitude de repescar o PS para se tornar um partido submisso e maleável aos desígnios do PSD+CDS. De resto, o presunçoso Coelho, a 14 de Outubro, afirmou categoricamente que não teria mais conversações com o PS.
Que reacção mais pertinente poderia ter tanta arrogância que, lembre-se, durou 4 anos? A resposta tão delicada quanto hipócrita que António Costa lhes deu no 'Público': "E percebo que a direita esteja irritada e respeito até algum azedume." É uma pequena humilhação das muitas e enormes de que a direita se fez merecedora.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Programa do Jô - Cabaré "Pau não Cessa"

Vídeo recomendado para > 18 anos

Ontem caiu-me este vídeo no 'Facebook'. Aceito haver no conteúdo expressões ousadas. Talvez mesmo demasiado ousadas. Naturalmente alguma parte da audiência contestará a publicação em blogue.
Divulgá-lo ou não foi um complicado dilema. Todavia, ao fim de algum tempo, decidi avançar e eis a entrevista que me divertiu imenso, extraída do 'Youtube'. 
Aqui para os meus lados, mais a mais, está um dia bastante nublado, acentuando o tom plúmbeo deste País entristecido, que me desagrada.
O último dos nossos comediantes a sério, Herman José, deixou-se estigmatizar por modelos tautológicos e evaporou-se. Optou mesmo por certo mimetismo em relação ao formato e estilo do Jô. Mas, diz o povo, cada um é para o que nasce, e Jô Soares é ele próprio, dotado de talento e de enorme capacidade de comunicação e humor, sob uma suavidade sublime. Consegue provocar, com meia dúzia de palavras, a explosão de riso  do público - a última vez que vi o Jô actuar ao vivo em Lisboa foi na representação de um monólogo, no CCB (em Fevereiro de 2005).  Excelente desempenho!
Portugal, já de si, é um país onde os sisudos dominam. De facto, não tem, na actualidade, um comediante digno dessa qualificação. Lembro-me, ao vivo ou em filme, do Vasco Santana, do António Silva, do Humberto Madeira, do José Viana, do Raul Solnado, da Ivone Silva; de Herman, Maria Rueff e Ana Bola que vão subsistindo; os 'Gatos Fedorentos' ludibriaram-nos, jamais foram comediantes.
(Adenda: aos que reprovarem as imagens e o diálogo do vídeo, as minhas desculpas antecipadas.)
   

sábado, 5 de dezembro de 2015

Elis Regina, que saudade!


Hoje estive a ouvir música de todos tempos. Elis, para mim e para muitos, é intemporal. Pelo talento do saber dizer e pela sonoridade melódica com que a sua voz aconchega a minha alma de emoções que me levam para um paraíso que jamais vi, mas que, no momento, sinto dentro de mim.
Que saudades me machucam daquela noite de Domingo, quando assisti, há muitos anos, a um espectáculo no antigo Cinema Roma, agora, creio, chamado Fórum de Lisboa.
'Romaria' foi uma das canções que ouvi nesse espectáculo. A letra é um poema de uma vida dramática, iguais às muitas que, infelizmente, nos tempos actuais perduram e se multiplicam:

  Romaria
Elis Regina
 
É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido
Em pensamentos
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó
De jibeira o jiló
Dessa vida
Cumprida a sol

Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida

O meu pai foi peão
Minha mãe solidão
Meus irmãos
Perderam-se na vida
À custa de aventuras
Descasei, joguei
Investi, desisti
Se há sorte
Eu não sei, nunca vi

Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida

Me disseram, porém
Que eu viesse aqui
Pra pedir de
Romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar
Meu olhar

Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida

(Nota: jibeira é a designação de bolso no Nordeste do Brasil: Jiló é uma planta cujo fruto é o jiloeiro; desavento significa triste, desanimado.)

UTAO – emerge a verdade, desmistifica-se o embuste

Seria normal e expectável que o relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) constituísse credencial suficiente para atestar como, do ponto de vista orçamental, foram geridas as contas públicas até Outubro de 2015, bem como se distribuem as responsabilidades pelo Executivo que se cessou funções em 25 de Novembro último e pelo XXI Governo que, no dia imediatamente subsequente, tomou posse perante o colérico inquilino do Palácio de Belém.
Com efeito, tal expectativa de objectividade saiu frustrada. Deflagrou uma luta política absurda à volta da responsabilidade do défice de 2015, entre o PS e os partidos de esquerda, por um lado, e a coligação PàF, PSD e CDS, por outro.
O combate ainda é mais incoerente, quando o PS reafirma que o Governo se vai esforçar por cumprir a meta défice. E isto não obstante a CE com 3% e o FMI com 3,1% jamais terem avalizado a previsão dos 2,7% de Coelho e M. L. Albuquerque.
A agravar o injustificado confronto interpartidário, há diversos comentadores a lançar uns litros de combustível para as chamas. Nicolau Santos, autor de artigo que me surpreendeu, e o endemoniado Gomes Ferreira, pró-PÀF, que no “Expresso Diário”, entre outros disparates causados pelo ressaibo, escreve o seguinte:
“As máquinas partidárias do Governo e que suportam o Governo apostam na revelação de buracos escondidos nas contas do Estado, para acusarem o anterior Governo de ter deixado as contas armadilhadas e um défice real bem superior ao prometido.”
O texto denuncia com nitidez perfeita o estúpido maniqueísmo do analista Ferreira, em detrimento de análise séria e objectiva que, obrigatoriamente, tem de incidir sobre os números da ‘execução orçamental de Outubro de 2015’ da DGO, publicados pelo Executivo de Coelho e Portas, e com mais propriedade sobre a informação divulgada pela UTAO.
Sintetizamos, para que fique claro e se desmascarem fugas as responsabilidades, o que, segundo o ‘Público’, são partes da informação relevante da UTAO:

·    Os dados revelam ainda que em Novembro, o anterior Governo usou mais de metade da dotação provisional prevista para todo o ano.

·    Dois indicadores que contribuem negativamente para a despesa pública de 2015 (a despesa com bens e serviços e a despesa com pessoal), e dois indicadores que compensam com um resultado mais positivo despesa com juros e investimento).

·    Na aquisição de bens e serviços […] Até ao final de Outubro foi gasto 82,5% da dotação prevista para o total do ano. No mesmo período de 2014, tinha sido usado 78,1% da dotação.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Reestruturação e Emprego na Banca

O sistema financeiro internacional, com o impulso inicial do Lehman Brothers, registou em 2008 uma crise que se deflagrou e propagou pela Europa. Esta crise ainda perdura e, regra geral, tem a característica da situação da banca ser complexa. Com efeito, vários bancos europeus enfrentam dificuldades e recorrem a processos de reestruturação. Visam o objectivo de, no fim dos ajustamentos, recuperar os resultados de exploração, a liquidez e os rácios normais no sector.
O despedimento de contingentes de milhares de trabalhadores é a medida estigmatizada e geograficamente transversal nas reestruturações efectuadas, em curso ou projectadas para a banca. Citemos apenas dois casos:
·         o Deutsche Bank, maior banco alemão, em Outubro de 2015, projectava uma reestruturação profunda com 35.000 despedimentos;
·         o inglês Lloyd’s Bank, dirigido pelo nosso compatriota Horta Osório, há um ano lançou um programa de despedimentos de 9 mil trabalhadores, os quais se somam aos 30.000 despedidos desde 2008 – há dias, corria uma notícia de que Horta Osório se prepara para afastar mais umas centenas de trabalhadores do Lloyd’s.
Então e por cá? Também as reestruturações têm a fatal medida dos despedimentos colectivos, associados a encerramentos de balcões ou da própria actividade, caso do BPP. Sem contar ainda com os desempregados produzidos pela aquisição luso-angolana do BPN, banco que até deveria ser um símbolo de orgulho nacional, uma vez que o primeiro magistrado do País, Sr. Cavaco, e filha, ao que parece episódica mas formalmente, foram accionistas daquela instituição financeira.
Despejar gente no desemprego, neste caso, equivale à forma descontraída própria do motorista da camioneta do lixo, de cigarro na boca e com o automatismo de esvaziamento activado, a encher a lixeira. Esta é a melhor imagem que me ocorre para caracterizar mais duas remessas de bancários para o desemprego ou a reforma, em muitos casos antecipada e penalizadora. Uma está em curso no Banif, presidido pelo devoto socialista Luís Amado cuja filiação no CDS não seria exótica, e outra realizar-se-á nessa grande obra de Carlos Costa, designada Novo Banco, dirigido por Stock da Cunha, um amigo e discípulo de Horta Osório – o mundo da banca, a nível de topo, é segmento social pouco populoso e muito privilegiado.
Este país, empobrecido intencional e programadamente nos últimos quatro (4) anos, continua a ter de suportar um contínuo fluxo de desemprego desde a banca, embora sejam atribuídos ao sector benefícios fiscais, moral e socialmente intoleráveis tendo em conta o baixo empenho social e as facturas de custos de ajustamento passadas aos contribuintes.
O governo de António Costa, até justificado pela necessidade de compensar agravamentos da despesa pública de algumas medidas a aplicar a partir de 2016, deverá ser muito menos generoso nas políticas dos benefícios fiscais com os grandes grupos económicos, nomeadamente a banca. Os mais frágeis devem ter prioridade de protecção nas políticas macroeconómicas governativas. Como é óbvio!