terça-feira, 27 de setembro de 2016

Hillary Clinton venceu claramente Donald Trump

Hillary Clinton e Donald Trump (Washington Post)
Assisti na SIC-N ao debate de Hillary Clinton e Donald Trump. Hillary ganhou claramente. Chegou a ser demolidora na argumentação contra o candidato republicano, o populista Trump. O homem perdeu a serenidade, em vários momentos. Saiu penalizado quando a adversária trouxe para a discussão os incumprimentos de Trump como contribuinte (dívidas ao fisco) e empresário (dívidas a fornecedores), as injúrias às mulheres denunciadas através desta frase:
“Este é um homem que chamou porcas, patetas e cadelas às mulheres, que disse que a gravidez era um incómodo para os empregadores”.
No que se refere à comunidade afro-americana, e depois de Trump ter sido repetitivo na crítica ao nível de criminalidade de membros dessa comunidade em Chicago, Hillary lembrou-o de que Donald Trump, nas suas empresas, se havia recusado a empregar negros, uma atitude claramente racista.
Todavia, a declaração impactante da noite de Hillary foi a seguinte:
“Penso que Donald critica-me justamente por me ter preparado para este debate. E sim, fi-lo. E sabe o que eu mais preparei? Preparei-me para ser Presidente e esta é outra questão.”
No final, a CNN promoveu e divulgou várias sondagens. Os resultados são todos favoráveis à candidata democrata por confortável margem, conclusão que, de resto, é idêntica às opiniões publicadas na imprensa norte-americana, desde o “Washington Post” ao “New York Times”.
O decurso e desfecho do debate, de certa, forma desmontam as previsões à priori do comentador Nuno Rogeiro. Este previa um confronto equilibrado e até com uma eventual vantagem de Trump, porque, alegava, era um homem agressivo e até detentor de formação académica superior (Universidade de Wharton), perante quem a oponente, Hillary, iria encontrar dificuldades, visto que o estilo desta era demasiado discursivo e pouco incisivo. Errou, como é habitual nos comentadores políticos que proliferam nos nossos canais televisivos. Não resistem à tentação de ser tendenciosos. Uma estupidez habitual, porque imaginam que as audiências das TV’s são totalmente compostas por gente estúpida, sem capacidade crítica.
Agora, no rescaldo do debate, é possível prever que Hillary ganhará as eleições presidenciais? Não, há ainda muito caminho a percorrer e sobretudo porque estamos a falar dos E.U.A.. Tudo é possível na pátria do marketing. Ou tudo é imprevisível a esta distância da data eleitoral. Não sendo absurdo que os norte-americanos, depois de terem escolhido pela primeira vez um presidente afro, democrata, venham a eleger um racista louro e conservador.
O eleitorado norte-americano pode vir a revelar-se, maioritariamente, apreciador dos “sound bytes” do populista Trump, em prejuízo das ideias e comunicações estruturadas de Hillary Clinton. Se assim não fosse, Trump nunca chegaria tão longe no seio do seu próprio partido.

Aguardemos. 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A desconstrução do triângulo Saraiva, Gradiva e Coelho

Há dias publiquei um ‘post’ a respeito do livro dos mexericos de José António Saraiva, da editora Gradiva e do, então anunciado, apresentador do livro Pedro Passos Coelho.
O citado ‘post’, em dias, ficou prejudicado. Desactualizou-se. Passos Coelho, depois da assumida estupidez de apresentar um livro que não lera, teve uma mágica intermitência dessa estupidez, convencendo o Arquitecto Saraiva, especializado em interiores de privacidade, a desobriga-lo da cerimónia, marcada para o ‘El Corte Inglés’ que, entretanto, já se desvinculou de abrigar o sórdido acto.
Sem um vértice e um dos lados, Coelho, o triângulo desfez-se. Restam dois segmentos de recta, de uma geometria mórbida: a Gradiva e Saraiva.
A editora, que até desfrutava de algum prestígio pelas publicações que acolhia, terá de viver com esta mácula, até que outros livros respeitadores dos cânones da literatura séria a demovam com o tempo.
Quanto a Saraiva, presumo não haver terapias que o livrem do absurdo comportamento mental. Na revista ‘Sábado’ li uma entrevista sua, de causar vómitos. O Arquitecto-jornalista faz afirmações que me causaram perplexidade e me levaram à conclusão, fácil, de que o homem está louco. Afirmou, por exemplo: “Este livro vai ser um clássico de literatura política”. Como quem diz: “Juntar-se-á à biografia de Churchill, aos livros André Malraux, George Orwell ou do ainda vivo e jovem Fareed Zakaria e a muitos mais actores ou estudiosos da actividade política que ficarão indelevelmente associados à História da Humanidade.
O mais ridículo dos objectivos de Saraiva é a declaração de que tem pretensões ao Nobel da Literatura. Nem consigo classificar esta anormalidade.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Saraiva devassa, Gradiva edita e Coelho guincha

Próximo dia 26 de Setembro. Não sei, nem me interessa saber a que horas. Os media, penso, comparecerão em peso. Tudo o que seja escândalo, sexo, vidas de políticos, eventos de múltiplos mortos e desgraças é matéria-prima que impulsiona a venda de papel e capta audiências para TV’s. 
Mas o que verdadeiramente me interessa é imaginar o ‘El Corte Inglés’ repleto. Estará presente toda a corte da curiosidade depravada e patológica. Parece que estou a vê-los. A elas e eles. 
Na primeira fila, bem cedo, sentar-se-ão a D. Guilhermina e Milinha, sua neta. A senhora ficou viúva há anos do Sr. Pepe, abastado negociante de vinhos com adegas no Gradil, lá para os lados de Mafra. No bairro onde vivia, um homem de má-língua, reformado, alcunhou a D. Guilhermina de ‘Condessa de Gouvarinho’. O epíteto, dizia, devia-se a um romance clandestino que a senhora mantinha com o dono de uma pastelaria das proximidades.
A plateia, pressuponho, será composta por gente de várias idades, sugadora da devassa da vida alheia, característica da obra literária José António Saraiva; obra, acentue-se, promiscua e abjecta de que Passos Coelho será apresentador. O obscuro político utilizará, como é habitual, o discurso impreparado, recheado de frases próprias de quem ignora a moral, a ética e até básicas regras de sintaxe.
Custa aceitar esta cerimónia em que Coelho exaltará um livro de mexericos, uma verdadeira mixórdia de descrição de vidas alheias, baseada, segundo o autor, em conversas privadas. Tudo isto sem que haja o escrutínio e o direito ao contraditório, por morte de alguns que, consequentemente, estão silenciados para eternidade. E, mesmo sem formação em direito – sou economista – duvido que Saraiva e Gradiva não estejam a infringir a Lei do Código Penal, Art.º 192.º - Devassa da vida privada.
Sinto ainda mais a existência do considerável número de doentios curiosos por livros reles e ofensivos, gente inculta e incapaz de ler obras de Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Afonso Cruz, Patrícia Reis, João Tordo, Valter Hugo Mãe e outros que, menos ou mais jovens, começaram a percorrer o complexo caminho da literatura de qualidade, sem se centrarem no aberrante sensacionalismo e no lucro a qualquer custo.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O jornalismo tacanho de Carvalho e a análise sábia de Stiglitz

Manuel Carvalho publicou no ‘Público’ o artigo ‘Maldita rentrée’.  O texto caminha por jargões e comentários, cheios de epítetos habituais em baixa política, visando sobretudo António Costa. Fala do Prof. Marcelo e também refere Passos Coelho, ao considera-lo um falhado no resultado final das políticas neoliberais adoptadas, não poupando, é óbvio, nas críticas a Catarina Martins e Jerónimo de Sousa.
Por outro lado, Carvalho refere superficialmente a Europa e o euro, mas enreda-se na problemática do défice, sem que, do ponto de vista das doutrinas e políticas económico-financeiras, saia qualquer análise, ideia ou proposta de solução.
O artigo é, de facto, pobre, subjectivo e impulsionado pelo notório propósito de hostilizar o governo de António Costa, terminando nos seguintes termos:
E o PS tinha prometido um “virar de página” alicerçado na confiança, no investimento e no futuro. Bastou uma semana para nos recordarmos de que tudo isso é cada vez mais uma miragem. Maldita rentrée. »
A este jornalismo tacanho, da crítica pela crítica, oco de conceitos e repleto de adjectivação burlesca, oponho a sábia análise de Joseph Stiglitz, publicada no ‘Expresso’ do último Sábado, pelo Nobel de Economia, ex-assessor económico de Clinton e ex-vice-presente do Banco Mundial.
O artigo do prestigiado professor da Universidade de Columbia começa com o seguinte ‘lead’:
“A culpa é mais do euro do que das políticas e estruturas dos países e estruturas dos países. A zona euro impôs o tipo de rigidez do padrão-ouro.” [Observação minha: o padrão-ouro significou a adopção de um regime cambial fixo por parte de praticamente todas as grandes potências económicas, do século XIX até 1914).
Em função da extensão do artigo de Joseph Stiglitz, vou procurar sintetizar as suas conclusões no sentido de uma solução para a zona euro:
“O euro só poderá funcionar se forem alteradas as regras e as instituições da zona euro. Isto obrigará a sete alterações:
  • abandonar os critérios de convergência que obrigam a que os défices sejam inferiores a 3% do PIB;
  • substituir a austeridade por uma estratégia de crescimento, suportada por um fundo solidário para a estabilização;
  • desmantelar um sistema propenso a crises, onde os países têm de contrair empréstimos numa moeda que não é controlada por eles, e passarem a depender de Eurobonds ou de um mecanismo similar;
  • repartir melhor as responsabilidades durante o ajuste, com os países que apresentem superávites a comprometerem-se a aumentar salários os gastos fiscais [orçamentais, em meu entender]…;
  • alterar o mandato do BCE que se centra apenas na inflação, ao contrário da Reserva Federal dos EUA, que considera também o desemprego, o crescimento e a estabilidade;
  • estabelecer um seguro comum de depósitos, o que evitaria que o dinheiro fugisse de países com fracos desempenhos…;
  • e encorajar, em vez de proibir, políticas industriais concebidas para garantir que os retardatários da zona euro possam alcançar os seus líderes.
E Stiglitz remata com uma conclusão interessante. Diz o professor que, de um ponto de vista económico, estas mudanças são pouco importantes; mas à liderança actual da zona euro pode faltar vontade política para implementá-las.
Tudo o que transcrevi e o restante do artigo extenso do Nobel norte-americano devora e reduz a banalidades próprias de conversa desconexa de café o escrito por Manuel Carvalho.

sábado, 3 de setembro de 2016

Investimento e Crescimento

Passos Coelho, há dias, criticou a quebra de investimento público do actual governo. A queda é um facto. Todavia, deveria lembrar-se das privatizações de empresas lucrativas e susceptíveis de criar liquidez para reinvestimento – recorde-se apenas a alienação pelo Estado dos CTT, da ANA e da EDP, transformadas em património estrangeiro e com reflexos negativos no défice externo.
Coelho, como sabemos, é um economista altamente qualificado, tornando-se, por isso, mais absurda a crítica formulada. Ou é a alta qualificação que é absurda?
Assunção Cristas revela-se preocupada com a subida da dívida pública externa e a falta de investimento. Confesso também a minha inquietude. Contudo, da ministra de um governo em permanente endividamento, a observação é estranha. Depois de 2010 (Sócrates), esse governo chegou a 2015 com um agravamento de 79,1 mil milhões de euros (de 94% evoluiu para 128,7% do PIB).
Quanto ao investimento, Coelho e Cristas sabem – ou deveriam saber – que durante o mandato do governo, que ele liderou e ela integrou como ministra, houve uma redução de 5,5% de Formação Bruta de Capital Fixo (Investimento).
O governo actual continua a tendência de queda, mas tem diversos motivos para a justificar:
  • Encerrou em 2015 o QREN (fundos estruturais da EU) que permitiu ao executivo anterior atenuar a intensidade da queda;
  • O programa subsequente de fundos estruturais, Portugal 2020, se bem aproveitado, poderá proporcionar o relançamento do investimento público e privado;
  • A herança legada a António Costa e ao País por Coelho, no sector bancário (Banif, Novo Banco e CGD), é demasiado pesada - o Banco de Portugal, sob o comando de Carlos Costa, tem fortes responsabilidades neste descalabro;
  • Os cortes salariais e o brutal aumento de impostos, da autoria dessa figura sorridente e oportunista chamada Vítor Gaspar, traduziram-se em acentuados decréscimos de consumo e poupanças, assim como em pesado impacto de insolvências e desemprego.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

PMBD, partido dos presidentes emergentes da morte de antecessores

Os aspectos políticos, sociais, artísticos e intelectuais brasileiros, o modo de estar na vida dos cariocas, baianos e nordestinos em especial, toda aquela sociedade do lado de lá que é capaz de sambar até na infelicidade, o Brasil e o seu povo, fascina-me.  
Obviamente, também os fenómenos da vida partidária brasileira me captam a atenção. Ontem, dei conta que membros do PMDB apenas conseguiram aceder à Presidência da República do Brasil, por três vezes e em todas elas, por morte física ou política do antecessor. Vejamos:
  •        Com a morte física de Tancredo das Neves em Abril de 1985, José Sarney (PMBD) subiu de vice a Presidente da República de 1985 a 1990;
  •       Com o ‘impeachment’ Collor de Mello (morte política) em 1992, Itamar Franco, então já no PMBD, de vice ascendeu ao cargo de Presidente da República;
  •        Ontem com o golpe que aniquilou Dilma Rousseff do PT, é também um membro PMBD, Michel Temer, que ascendeu (ilegitimamente) ao lugar de Presidente da República.

Estes e outros eventos da pátria irmã despertam-me interesse, desde a infância; ou melhor, desde os tempos em que o meu pai recebia a revista ‘O Cruzeiro ’, enviada pelo tio Joni (português mas carioca). Se ele estivesse vivo, na sua casa junto de Copacabana, diria: 
“Você sabe, no Brasil todo o mundo está sempre sambando, suceda o que suceder, mas o povo brasileiro também sabe lutar com empenho e o apoio de muita gente da música, da cultura e das artes em geral” 
Mário Lago, o famoso actor e autor, era dos seus maiores amigos.
O Brasil, devo confessar, é minha segunda pátria, precisamente por ser a pátria de Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Vinícius, Jobim, Dorival Caymmi, Óscar Niemeyer (falecido há algum tempo e tio de Chico Buarque),o próprio Chico, Elis Regina, Gal Costa, Nara Leão, Elza Soares, Caetano Veloso, Maria Betânia, Marisa Monte… enfim uma lista construída  ao sabor da memória que poderia ser muito, muito exaustiva.
(Ah! E dia 7-Set-2016 vou ao Coliseu dos Recreios de Lisboa assistir ao espectáculo de Caetano Veloso que trás a jovem cantora Teresa Cristina. Vou viver um pouco de Brasil)

Diferenças: as “pedaladas fiscais” de Dilma e de Fernando Henrique Cardoso

Na política não há amigos
Ignoro se a opinião pública portuguesa, parca de conhecimentos das realidades do próprio país, sabe o significado do conceito de “pedalada fiscal”. A despeito de, para homens de direito ou economistas brasileiros, puderem constituir formas de desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal pelo PR, existe também quem advogue não ser legítimo alegar essa infracção à Lei de 2000, com o propósito de requerer a invalidação do mandato desse PR – veja-se notícia respeitante à ADJ – Associação de Juízes para a Democracia.
Dilma
“Pedalada fiscal”, em resumo, consiste em financiamento informal ao Estado, sem autorização prévia do Congresso. No caso de Dilma, o governo sob a sua chefia, sem fazer as transferências de fundos necessárias, contou com a cooperação de bancos (Caixa Económica Federal, Banco do Brasil e BNDES). Estas instituições, nos pagamentos mensais, substituíam-se ao Estado ao liquidar prestações sociais (aposentações, ‘Bolsa Família’ e outras).
O governo, com esta intervenção dos bancos, evitava desembolsar verbas nas alturas de pagamento, criando um superavit primário, em vez de défice, no orçamento do Estado, e favorecendo, desse modo, a imagem financeira governamental.
Mais tarde, o governo de Dilma liquidava aos bancos as quantias adiantadas por estes e respectivos juros, resolvendo a situação. Um exemplo: estes financiamentos informais, e que na interpretação de alguns juristas dispensavam autorização prévia do Congresso, eram posteriormente regularizados pelo governo de Dilma – em Janeiro de 2014 estavam totalmente pagos aos bancos os adiantamentos de 2013.
Fernando Henrique Cardoso
O expediente das “pedaladas fiscais” já havia sido utilizado por anteriores presidentes, incluindo Lula e o ‘social-democrata’ Fernando Henrique Cardoso (FHC), ambos sujeitos à mesma Lei de Responsabilidade Fiscal. Nenhum dos ex-presidentes foi sequer interpelado pelo Congresso pela prática.

Diferenças: as “pedaladas fiscais” de Dilma e de Fernando Henrique Cardoso

Na política não há amigos
Ignoro se a opinião pública portuguesa, parca de conhecimentos das realidades do próprio país, sabe o significado do conceito de “pedalada fiscal”. A despeito de, para homens de direito ou economistas brasileiros, puderem constituir formas de desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal pelo PR, existe também quem advogue não ser legítimo alegar essa infracção à Lei de 2000, com o propósito de requerer a invalidação do mandato desse PR – veja-se notícia respeitante à ADJ – Associação de Juízes para a Democracia.
Dilma
“Pedalada fiscal”, em resumo, consiste em financiamento informal ao Estado, sem autorização prévia do Congresso. No caso de Dilma, o governo sob a sua chefia, sem fazer as transferências de fundos necessárias, contou com a cooperação de bancos (Caixa Económica Federal, Banco do Brasil e BNDES). Estas instituições, nos pagamentos mensais, substituíam-se ao Estado ao liquidar prestações sociais (aposentações, ‘Bolsa Família’ e outras).
O governo, com esta intervenção dos bancos, evitava desembolsar verbas nas alturas de pagamento, criando um superavit primário, em vez de défice, no orçamento do Estado, e favorecendo, desse modo, a imagem financeira governamental.
Mais tarde, o governo de Dilma liquidava aos bancos as quantias adiantadas por estes e respectivos juros, resolvendo a situação. Um exemplo: estes financiamentos informais, e que na interpretação de alguns juristas dispensavam autorização prévia do Congresso, eram posteriormente regularizados pelo governo de Dilma – em Janeiro de 2014 estavam totalmente pagos aos bancos os adiantamentos de 2013.
Fernando Henrique Cardoso
O expediente das “pedaladas fiscais” já havia sido utilizado por anteriores presidentes, incluindo Lula e o ‘social-democrata’ Fernando Henrique Cardoso (FHC), ambos sujeitos à mesma Lei de Responsabilidade Fiscal. Nenhum dos ex-presidentes foi sequer interpelado pelo Congresso pela prática.

Brasil: a corrupção golpeou a Democracia

O esgoto, a latrina, a cloaca do Congresso brasileiro, assim baptizado e deixado à nossa opção por Alexandra Lucas Coelho (jornal ‘Público’ de 24-Abr-2016), dilatou e capturou o Senado. Este órgão igualmente hediondo, por 61 votos contra 20, retirou o mandato a Dilma Rousseff, primeira mulher eleita presidente do Brasil.
A verdadeira causa do pedido de invalidação do mandato – impeachment – suporta-se, e essa é a realidade autêntica, na deliberação de Dilma favorável ao prosseguimento do ‘Lava-jacto’ e de outros processos judiciais de corrupção sobre elevadas figuras do Estado. De entre estas, num total de dezenas de congressistas e senadores corruptos, além do presidente Temer, ontem empossado, sobressaía Eduardo Cunha, presidente demitido do Congresso. Cunha cometeu crimes de lavagem de dinheiro e de corrupção passiva, recorrendo à transferência de milhões para contas, suas e de familiares, na Suíça.
O sinistro Cunha retaliou contra Dilma, na referida cloaca, com um duplo processo de invalidação do mandato e de perda de exercícios de cargos públicos.
Hoje, no Senado, Dilma perdeu o mandato, permanecendo, todavia, a usufruir dos direitos ao exercício de cargos públicos.
Para Temer, impedido de candidatar-se por indícios de corrupção, ainda restou um amargo de boca intenso. O presidente do Senado, Renan Calheiros, ao criar votações separadas para ‘a perda do mandato’ e ‘a perda dos direitos do exercício de cargos públicos’, criou, de facto, em Temer uma decepção sem limites, assim como a uma fracção significativa dos membros do PMBD, do Congresso e Senado – 42 votos contra Dilma, na votação dos direitos, foram insuficientes.
A corrupção, portanto, deu um golpe na Democracia do Brasil, mas parte significativa da população, incluindo artistas e intelectuais, revela-se disposta a fazer da luta contra Temer, o governo presidencial e acólitos uma batalha incessante de contragolpe de sentido democrático.
No futuro próximo ou longínquo, ou em ambos, a vida política e social no Brasil será de perturbação continuada, a não ser que, entretanto e na extensão dos fortes contingentes policiais já utilizados, o exército tome parte no conflito. E das forças armadas a ordenar e condicionar a governação, parte do povo do Brasil, fora os mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, retém na memória o sentimento e imagens dessa dura e longa punição.