segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

O Tempo do Chega

 

As designadas democracias liberais confrontam-se com ameaças populistas e xenófobas, a derramar com diferentes intensidades. A Alemanha, do partido AfD, a França de Marine Le Pen, a Itália governada Giorgia Meloni e Matteo Salvini e a Suécia com os ‘Democratas Suecos’ que apoiam o governo conservador são, infelizmente, apenas uma parte de uma negra lista de candidatos ou governantes que têm invadido a política em diversas latitudes, assistindo-se, portanto, à participação da Europa no epicentro da radicalização da extrema-direita.

Portugal com o Chega também se integrou no nefasto movimento. Em Viana do Castelo, André Ventura (AV), tão inteligente como insolente, teve um fim-de-semana em cheio. Os canais televisivos e outros meios de comunicação social deram-lhe horas de imagem, de espaço e de tempo suficientes para que o homem fizesse ao povo mil e uma promessas irrealizáveis. O mais chocante, no meio de tudo o que foi apregoado, é constatar que uma parte desse povinho, e nada insignificante, acredita em atoardas, pensando que vai ficar de bolsos cheios, carros de luxo e barriguinhas muito bem nutridas.

Não é necessário ser economista, minha profissão, para desmistificar as balelas de AV. Aplicando ao Estado o raciocínio comum do governo da casa, qualquer pessoa entende que jamais é possível subsistir em condições de vida dignas num lar em que as receitas se reduzem drasticamente e, por sua vez, as despesas aumentem com grande expressão e ultrapassem as primeiras.

Vamos, então, a um resumo das promessas de AV: 1) Eliminação do IMI e do IUC; 2) Aplicação da taxa 0% de IVA a todos os produtos alimentares de origem portuguesa e de mais alguns bens essenciais de origem externa; 3) Aumentar para o valor do Salário Mínimo Nacional (SMN) a pensão mínima dos reformados.

Tudo o que foi anunciado, segundo o jornal “O Expresso”, significaria um montante adicional de 11 mil milhões de euros na ‘Despesa Pública’, o que se traduziria em acréscimo de gastos do Estado de cerca de 5% do PIB. O prometido por AV é impossível realizar, ponto final.

Outras facetas aberrantes da convenção do Chega relacionam-se com temas político-sociais. Caso de misoginia, no propósito de retirar apoios a instituições que garantem a igualdade do género. Ou do xenofobismo relativamente a imigrantes, esquecendo que Portugal é um país de emigrantes e cada vez mais jovens e qualificados – mas neste último caso não há apenas a lamentar o esquecimento do Chega; o governo e até a restante oposição têm muitas responsabilidades.

Com este animal na sala, em 10 de Março veremos o grau de desordem em que a casa fica. A mim palpita-me, naturalmente, que o PR e partidos do regime não terão solução de fácil governabilidade. Aguardemos!

domingo, 3 de dezembro de 2023

Ilse Losa e a Guerra em Gaza


 

Gaza

As minhas leituras de livros são impulsivas. Não são, portanto, premeditadas. Foi, neste quadro aleatório, que li ‘O Mundo em que Vivi’ de Ilse Losa, uma judia alemã de nascimento que, refugiada da perseguição nazi nos anos 1930, se naturalizou portuguesa. Casada com um português, viveu no Porto, cidade em que faleceu com 93 anos de idade, em 2006.

Ilse Losa deixou vasta obra de romances, contos, crónicas, trabalhos pedagógicos e literatura para crianças. Em 1984, recebeu o Grande Prémio Gulbenkian. O seu estilo é construído de criatividade e de uma simplicidade descritiva impressionante.

Para justificar a realidade política e social de que se evadiu: na página 148 da edição que li, Ilse Losa dá-nos a seguinte imagem da Alemanha de Adolf Hitler:

“Jovens e velhos perdiam os empregos e esperavam em bichas nas repartições de trabalho, para o selo e carimbo nos cartões do seguro social. Os desempregados enchiam as cervejarias e exaltavam Hitler, que lhes prometia trabalho e lhes afirmava serem os judeus os maiores culpados da desgraça económica do país. O nome “judeu” cada vez se tornava mais injurioso.”

Os ingredientes do ambiente político nazi tinham, pois, um cariz económico-social de crise que, na retórica xenófoba nazi, apontava os judeus como principais responsáveis, sendo, depois, compelidos a expiar as culpas através do Holocausto – cerca de 6 milhões de judeus mortos.

As causas do ‘progrom’ de autoria de israelitas actualmente em Gaza são diferentes. Tem origens étnicas e religiosas históricas, de vários séculos, e que se acentuaram depois da atribuição do território do Estado de Israel, por iniciativa dos políticos britânicos que, no final da II Guerra, exerciam um mandato de poder sobre a Palestina.

A história é mais complexa no que respeita aos conflitos religiosos. Jerusalém é cidade de cristãos, judeus e muçulmanos. Grande parte dos islâmicos nunca aceitaram o sionismo (regresso dos judeus ao Monte Sião e ao Templo ali existente). Esta é a causa profunda e remota a que António Guterres se referiu na ONU.

O Hamas, movimento palestiniano, e autor de acções terroristas contra judeus, cometeu terríveis atentados contra ‘kibutzim’ (plural de kibutz) no Sul de Israel. O assassínio de cerca 1400 judeus, de todas as idades, incluindo bebés, foi um acto horrendo e repugnante. Os responsáveis e autores do crime devem ser duramente punidos; ninguém tem dúvidas.

O que está em causa é se Israel, ao ter matado mais de 15.000 palestinianos, incluindo mais de 6.500 crianças, não está a ultrapassar todas as barreiras do proporcional e aceitável. Netanyahu e os militares estão na via do genocídio do mesmo tipo daquele que Ilse Losa fugiu na Alemanha. É a minha opinião.

Assisto nas TV’s a imensos comentários. Primeiro, nem sabia que havia tantos majores-generais. Há opiniões para todas as preferências. Uns referem com delicada minúcia as artes e os mecanismos da guerra. Todavia, nem eles, nem outros comentadores esclarecem se as leis do Direito Humanitário Internacional estão a ser violadas pelos israelitas, com a mesma dramaticidade que se aplica à acção terrorista do Hamas no Sul de Israel.

A vida neste mundo imundo prossegue com duas guerras mais mediáticas, Médio Oriente e Ucrânia, a que se deve adicionar outra, no Sudão, onde morrem milhares e a maioria ignora.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Votar no obscuro

 

Na qualidade de democrata, reajo com natural insatisfação às sondagens que prevêm um resultado a favor do Chega de dois dígitos (16%, na última divulgação), nas eleições legislativas de 10 de Março de 2024.

Também me indigno que as liberdades da democracia sirvam para catapultar carreiras pessoais em cargos e sociedades do Estado ou privadas, em determinados casos com base em pronunciadas suspeitas dos crimes de corrupção e prevaricação.

Em termos de interesse público e de respeito pela ordem judicial, os processos com factos e provas devidos são objecto de investigação pelo MP e de procedimentos subsequentes em sede de magistratura judicial.  São-me alheios ao nível de acção no que respeita à subjectividade e objectividade dos casos em apreço pela justiça – apenas, como muitos, posso lamentar o habitual e vicioso desrespeito pelas regras do segredo de justiça. Uma parte dos beneficiários das fugas é a Comunicação Social. A outra, é apenas presumida, posso mas não a quero invocar.

O que é evidente é que as democracias de hoje produzem, com extraordinária facilidade, fenómenos de sucesso de populistas, como Bolsonaro, Trump, Meloni, Milei e, entre nós, André Ventura.

Quem, em substância, forma a base de apoio ao Chega em Portugal? São os mais jovens, induzidos pela parafernália de manipulações nas redes sociais? São os mais idosos, em sofrimento e os baixos rendimentos e condições de vida com que se confrontam? Mais especificamente são os polícias sindicalistas do grupo “zero” em conjunto com outras bolhas profissionais e políticas? Resposta: provavelmente são toda essa gente. Têm razão? Têm! O pior é que o Chega não chega para lhes garantir um mínimo que seja de satisfação pelas justas reivindicações que subscrevem.

Se toda essa gente, e devo excluir aqueles que fazem parte do aparelho Chega manietado por André Ventura, se toda essa gente, dizia, observar e reflectir seriamente o que significa o populismo e os resultados da chegada deste ao poder, concluirá que hospitais, escolas, justiça e a economia no seu todo ainda funcionará pior ou, mesmo em certos casos, não funcionará de todo.

Todavia, para retirar o Chega das hipóteses de exercício do poder, não basta que os cidadãos referidos no parágrafo anterior modifiquem a atitude política. Os outros partidos, independentemente da área ideológica em que se integrem, devem promover a democracia da transparência, da seriedade e do respeito pelos direitos de cidadania de um povo.

Será o meu objectivo utópico? Talvez, mas é preciso acreditar.

domingo, 29 de outubro de 2023

Charlot, 'Tempos Modernos' e Inteligência Artificial

Sempre que a actividade humana, em vários domínios, foi interceptada e executada por equipamentos e métodos inovadores de produção, nomeadamente máquinas industriais, verificaram-se conflitos entre artesãos e operários, por um lado, e os interesses de empresários expostos a desafios de concorrência e produtividade do mercado, por outro.

A Revolução Industrial do século XVIII, de que Inglaterra foi pioneira, demonstrou a luta entre a manufactura e a maquinofactura, acentuada por baixos salários, jornadas de trabalho longas e condições insalubres das fábricas, fenómenos que atingiam os trabalhadores. Em contrapartida, os donos das fábricas, graças a inovações como a máquina a vapor e o tear mecânico, extraiam consideráveis benefícios.

Os atritos entre homens e máquinas estenderam-se no tempo. Charles Chaplin com o filme classificado como uma das suas obras-primas, 'Tempos Modernos', evidencia esses atritos e suas consequências sociais, nos 1930, tempos da histórica Grande Depressão. O posicionamento crítico de Chaplin em relação ao capitalismo, levaria, no macartismo, à sua expulsão dos EUA, assim como à confiscação de todos os seus bens pelo Estado Norte-Americano.

As modificações causadas pelas revoluções na indústria nunca foram pacíficas do ponto de vista económico social, como sinaliza o filme 'Tempos Modernos'.

Na actualidade, a ciência, mais electrónica, tecnológica e sustentada em novos saberes da concepção e uso de algoritmos, está a gerar a Inteligência Artificial como poderoso veículo de transformação e inovação em todas áreas do conhecimento e convivência humanos. Hoje, no jornal ‘Público’, em artigo de Karla Pequenino, é revelado que “Algoritmos podem aprender a pensar mais como humanos”.

A autora refere-se à meta-aprendizagem por composição (Meta-Learning for Compositionality, em inglês), salientando nomeadamente que:

"Há novas estratégias para pôr sistemas de inteligência artificial (IA) a pensar mais como seres humanos, ao desenvolver algoritmos capazes de conectar diferentes aprendizagens. No fundo, a usar algo que aprendem num contexto noutro completamente diferente. É algo que os seres humanos fazem instintivamente…"

Todos estes avanços, se forem desenvolvidos a favor das condições da vida humana e de virtuoso progresso científico em diversas áreas, todos estes avanços – dizia – são dignos de ser saudados. Todavia, é de sublinhar que, mesmo do lado de cientistas há algumas reservas, porque a Inteligência Artificial também é potencial portadora de riscos que podem ir desde questões imediatas, como a violação da privacidade, o preconceito algorítmico, a deslocação de postos de trabalho e as vulnerabilidades de segurança, até preocupações a longo prazo, como a possibilidade de criar uma IA que ultrapasse a inteligência humana e se torne incontrolável.

O futuro, a que certamente não assistirei, dará efectiva resposta ao desafio de benefícios e riscos para a espécie humana e a natureza, lançado pela IA.


quinta-feira, 26 de outubro de 2023

As declarações de Guterres e o "supremacismo" de Israel

 

Faixa de Gaza

Trabalhei e tenho relações amigáveis com vários judeus. Também me cruzei, na actividade profissional, com muçulmanos, em especial do Magreb, mas jamais encontrei qualquer palestiniano. 

A reprovação e a revolta sustentam a minha posição a respeito do hediondo ataque do Hamas aos kibutz do Sul de Israel. Saldou-se pela morte de cerca de 1.400 israelitas, alguns deles bebés cruelmente decepados, e ainda por mais de 200 reféns que os terroristas levaram para a Faixa de Gaza, tendo até ao momento libertado apenas 4 mulheres.

Por influência da personalidade do meu pai, considero-me humanista. Todo o tipo de violência e morte contra humanos, seja em guerras convencionais ou meras operações que resultam em massacres, me fustiga o espírito, com enorme sofrimento. Quem me conhece bem, e não são muitos, sabe o que penso e a mágoa que me atinge perante tragédias do género daquelas que estamos a ver, a toda a hora, nos canais televisivos.

É impossível ser selectivo em função da nacionalidade ou orientação religiosa das vítimas. Um trecho do artigo de Alexandra Lucas Coelho no 'Público' de hoje resume as razões pelas quais sofro:

"Urge agora que 2,3 milhões continuam sob bombas, com fome, sede, milhares no chão de hospitais em colapso, operados sem anestesia. 6500 mortos, 2000 dos quais crianças."

ALC, como eu, defende Guterres no tocante às declarações que fez no Conselho de Segurança da ONU. Crítica a prepotência de Israel que, através de dois políticos, pediram a demissão do Secretário-Geral. O Secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, ao lado de Guterres, também defendeu uma pausa humanitária no confronto, a fim de se poder valer com água, alimentos e medicamentos aos palestinianos que, devido a bombardeamentos de Israel, vivem em condições desesperantes.

Para os "supramacistas" israelitas, ignorar as afirmações de Blinken é o cinicamente recomendável. Todavia, escorraçar da ONU para fora o filho de um país menor é fácil e demonstra muita coragem de um país que se tem na conta de potência, com os seus 9,5 milhões de habitantes. Na altura da Declaração de Balfour, em 1917, no território atribuído a Israel viviam 35.000 judeus.

A História de Israel é uma longuíssima narrativa que conta a vida milenar do povo judaico, incluindo a proposição do sionismo por Theodor Herzl, no final do século XIX, a citada Declaração de Balfour em 1917, a intervenção de Winston Churchill como Ministro das Colónias Britânicos (*), as conversações entre Chaim Weizmann, sionista, e Lloyd George, PM do Reino Unido até à fundação do Estado de Israel, sob o coimando de David Ben-Gurion, um estadista de que Netanyahu é o oposto.

(*) O livro "Churchill and the Jews 1900-1948", de Michael J. Cohen é de leitura obrigatória para se saber e compreender a criação do Estado Judaico. 

 

terça-feira, 24 de outubro de 2023

TAP: lucro de 203,5 milhões até ao fim do 3.º trimestre de 2023



Confesso que a TAP, e tudo á volta desta companhia, merece-me especial interesse. Quase 30 anos da minha vida, devido à natureza de actividades profissionais, viajei para e de vários países estrangeiros, em especial africanos e europeus. A minha companhia preferida sempre foi a TAP, excepto, obviamente, para países na qual a mesma não dispunha de rotas - Argélia, por exemplo, que cheguei a visitar 15 vezes por ano.

Os voos realizados, maioritariamente em executiva, permitiram-me conhecer figuras públicas. Tomo a liberdade de destacar as conversas, lado a lado, com Bob Marley (Londres/Lisboa) e Airton Senna (Lisboa/Marselha). Por triste ironia, ambos vieram a falecer dois anos e tal após ter conhecido e conversado com eles - mais de 2 horas com cada um.

Estes dois episódios, e outros do género, serviram-me de alerta para a importância do muito agora propalado HUB de Lisboa. Bob Marley, por exemplo, viajava, na ocasião, de Londres para Luanda, via Lisboa, na TAP. Em Angola, seguiria em companhia africana para o Zimbabwe, terra dos seus antepassados - ele tinha, como é sabido, a nacionalidade jamaicana.

O jornal 'Público', nesta notícia, anuncia que a TAP até Setembro último, atingiu um lucro recorde de 203,5 milhões. Como contribuinte, português e cliente, fiquei naturalmente satisfeito. Todavia, ainda foi maior a satisfação, ao saber que a causa de tal proveito não foi produto de qualquer alienação ou operação extraordinária. Com efeito, resultou da actividade básica da sociedade. Vários exemplos: as receitas totais aumentaram 29,7% para 3164M de euros; o número de passageiros registou mais 19,5% em relação a 2022 e, finalmente, a taxa de ocupação média das aeronaves aumentou de 79,5% para 81,9%.

Conquanto os resultados antes referidos sejam muito bons, atendendo até ao panorama da aviação internacional, em minha opinião, os números dos relatórios e contas não devem ser usados como único argumento nas vantagens económicas para o país da TAP. A preservação do antes referido HUB de LIsboa é igualmente essencial para os benefícios da nossa economia. O elevado número de passageiros estrangeiros que utilizam Lisboa em trânsito para destinos africanos e da América do Sul (Brasil em destaque) é gerador de proveitos para outros operadores. Inclusivamente, e eu apercebi-me de muitos casos quando viajava, o trânsito em Lisboa significava a permanência e visita à cidade durante 3/4 dias.

Não tenho vínculos partidários de qualquer espécie. Cada vez estou mais distante de uma classe política que, na generalidade, é marcada por incompetência, amiguismo e corrupção. Respeito o General Ramalho Eanes, felizmente ainda vivo, assim como tive admiração pelo Dr. Jorge Sampaio. Os restantes políticos, sobretudo os actuais, provocam-me repulsa. Desinteressei-me da política de tal ordem que ou voto no que considero o mal menor, ou em certas ocasiões voto em branco.

Para finalizar, apelo aos políticos que mantenham na posse do Estado uma participação no capital da TAP, assegurando, em simultâneo, condições para a continuidade do desenvolvimento do HUB. O novo aeroporto de Lisboa espera há 50 anos. Isto só pode é possível em terras que têm sido governadas por políticos de terceira ordem. 


segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Hannah Arendt e o conflito israelo-palestiniano

 


Hannah Arendt





Tenho um fascínio sobre a vida e a obra Hannah Arendt. 

Alemã e judia de nascimento, em 1941 esteve detida num campo de concentração nazi, próximo de Paris, de onde se evadiu para Portugal. Curiosamente, residiu em Lisboa, no n.º 6 da Rua da Sociedade Farmacêutica, não muito longe do Hospital de Santa Marta. Da capital portuguesa, emigrou para os EUA, apátrida na primeira fase, mas posteriormente nacionalizada estadunidense.

Na carreira universitária e na actividade intelectual, teve alguns comportamentos controversos que, sobretudo, foram criticados por membros de comunidades judaicas. A sua iniciação no estudo da filosofia, foi impulsionado pelo filósofo alemão Martin Heidegger, com quem manteve um romance; homem conectado com o partido nazi alemão. Sob fortes críticas de comunidades judaicas, o romance extinguiu-se, mas ainda assim a relação, a nível de investigação e estudos académicos, manteve-se e Heidegger teve influência e Hannah Arendt difundiu as ideias do estudioso alemão nos EUA.

No início da década de 1960, ao serviço da revista The New Yorker foi enviada para Israel para observar e comentar o julgamento de Adolf Eichmann, militar nazi capturado pelos Serviços Secretos de Israel ao fim de 20 anos. A reportagem em Israel deu origem à concepção e publicação do livro "Eichmann em Jerusalém' que suscitou enorme polémica nas comunidades judaicas.

Hannah Arendt cria o conceito "banalidade do mal", inspirada pelas teorias do "mal radical" de Kant. O "mal radical", na teoria de Kant que Arendt seguiu, não é uma designação por ser intenso, mas por estar enraizado em seres humanos que o praticam (radix em latim significa raiz). O "mal radical" fundamenta-se no ódio e caracterizou os comportamentos de políticos como Hitler. Himmler e Goebbels.

O "mal banal", na avaliação de Hannah Arendt, não se baseia em si próprio. Em suma, auto-classificada então como teórica política, Arendt aderiu à ideia, utilizada por Eichman, de que se limitou a executar acções por ordens superiores e sem noção de que estava a perpetrar actos de antissemitismo.

Nestas circunstâncias, Hannah Arendt não analisou o comportamento de Eichmann - e de outros, naturalmente - sob o enviesamento moral mas sim político. Considerou que ele era tão medíocre que seria incapaz de ser um monstro. Eichmann era apenas uma pessoa buscando ascensão por meio de um sistema totalitário e teria entrado para a Gestapo para ganhar dinheiro.

A obra de Hannah Arendt, intensamente citada por distintos autores, como Tony Judt, Martin Gilbert e outros académicos de prestígio, é muito vasta e de imenso valor intelectual. Em síntese, tenho a certeza que, como cidadã do mundo mais do que judia, reprovaria o horrendo ataque do Hamas, mas sinto enorme curiosidade em saber o juízo que ela formaria sobre o tipo de retaliação que Benjamin Netanyahu e seus acólitos da Defesa de Israel estão a planear e a executar sobre o povo palestiniano. Danos colaterais de uma guerra é um efeito inevitável mas limitado; porém, quando o colateral se transfere para objectivo central, há claramente um beligerante a incorrer em crimes de guerra definidos pelas Convenções de Genebras de 1949 e consequentes Protocolos.

Fico pela pergunta, porque quem poderia responder já não está entre os vivos.



















quinta-feira, 12 de outubro de 2023

O OE 2024, rendimentos, economia e números da OCDE

OCDE


A propósito da discussão do OE 2024 e da distribuição de rendimentos previstos no mesmo, tenho lido, ouvido e visto definições de classe média. Alguns comentadores e críticos remetem para a definição da "Wikipédia", a qual, no meu parecer, é uma versão abstracta, sociológica e pretensamente universal.  A definição da "Wikipédia" é exactamente a seguinte:

"Classe média é uma classe social presente no capitalismo moderno que se convencionou a tratar como possuidora de um poder aquisitivo e de um padrão de vida e de consumo razoáveis, de forma a não apenas suprir suas necessidades de sobrevivência como também a permitir-se formas variadas de lazer e cultura..."

A adopção deste conceito aos países do capitalismo moderno torna-se em teoria demasiado abstracta e até imprecisa, visto que engloba uma variedade de países distintos e de estados de desenvolvimento económico diferenciados, com consequentes resultados ao nível da desigualdade de rendimentos e perfis de classe social de cada país.

O mais recomendado e seguro para avaliar e classificar classes sociais e rendimentos destas é utilizar a tabela de 'salários médios da OCDE', esta, sim, define com precisão o segmento de classe média de 38 países e compara-os. 

Na tabela em causa, ver aqui, verificar-se-á que, entre o tal conjunto de 38 países da OCDE, praticamente equivalente à Turquia, Portugal tem o 8.º salário médio mais baixo da OCDE em 2022 (30006,68 euros anuais). No primeiro lugar está a Islândia, com 74704,62 euros, em segundo o Luxemburgo com 73611,40 euros. Estes números traduzem, entre outros factos, que o salário médio português corresponde a 40,17% do país líder, Islândia.

A situação impõe que políticos e jornalistas deixem de reflectir sobre o conceito de classe média, por se tratar de um tema irrelevante para a vida dos portugueses, quando debatido sem a análise e avaliação dos números. O que os dados do quadro da OCDE revelam é que, do ponto de vista económico e social, somos dos países mais atrasados no seio da citada organização.

Descontada a nefasta ditadura salazarista, com a lei do condicionamento industrial e a rejeição do Plano Marshall, 50 anos de democracia não foram aproveitados para um desenvolvimento económico-social substantivo e sustentado. As responsabilidades do atraso propagam-se por todos os governos da democracia, desde a era de Cavaco Silva a António Costa. Os números não enganam.



sábado, 17 de junho de 2023

Da insurreição aos cruéis negócios do futebol (3)

 

Dissecados os aspectos da insurreição, vamos então à crueldade de rendimentos de jogadores, empresários e negócios associados ao futebol. Segundo a Forbes, em 2021, Ronaldo, Messi e Neymar encaixaram o total de 300,3 milhões de euros. Na actualidade, estão a encaixar mais de 400 milhões. Classificar isto de exagero é pouco. Sinteticamente, digamos que é abjecto.

Aos antes citados rendimentos de três jogadores – apenas 3, sublinhe-se – juntam-se os milhões arrecadados por empresários, com o multimilionário Jorge Mendes na liderança do negócio de transferências. A tudo isto, ainda podemos a acrescentar as movimentações de grande parte do dinheiro para ‘offshores’, em operações que, em certos casos, envolvem fraude fiscal. Citem-se, a título de exemplo, os processos em que Ronaldo, Messi e outros estiveram envolvidos perante as autoridades tributárias de Espanha.

Como os ‘cachets’, transferências e fugas ao fisco já não fossem bastante suficientes em número e repugnantes na qualidade, surge agora o negócio de tráfego humano da BSports, em Riba d’Ave, próximo de Vil Nova de Famalicão.

Do monstruoso negócio são vítimas menores e adultos com menos de 20 anos, de diversas nacionalidades. Incluem-se colombianos, venezuelanos, salvadorenhos e rapazes de outros países africanos e asiáticos. O presidente Marcelo, no seu estilo habitual de palavra fácil e pé ligeiro, já deu a ordem: “investigue-se!”.

O SEF está, aliás já estava a investigar. O negócio em causa, sob promessa aos jovens de virem a tornar-se vedetas de um grande clube, funcionava nas instalações de uma denominada academia BSports. As regras de funcionamento eram equivalentes à de um presídio. Dos menores, até os passaportes eram confiscados. Todos tinham permissões muito limitadas para sair e reentrar na academia, a comida era péssima e, em cada quarto, dormiam 14 jovens dispersos por beliches. Os pais ou tutores pagavam, pelo menos, 600 euros mensais, durante 11 meses. Os resultados foram nulos para os jovens.

Na sequência das investigações, e na qualidade de responsável pela academia, foi constituído arguido um tal Mário Costa que, entretanto, se demitiu do cargo de presidente da AG da Liga. Este Costa e os restantes são gente que, de todo, não presta. Confesso que me surpreendeu que um dos principais embaixadores da BSports fosse o ex-deputado do PSD, Miguel Frasquilho. Fiquei estupefacto com o argumento adiantado por Frasquilho: "desconhecia por completo o que era e quais as actividades da academia BSports". Mais um para a minha lista negra.

Todo este mundo do futebol de valores monetários exuberantes, burlas fiscais e negócios espúrios me causa revolta. Ainda maior, quando sei pela FAO que só na Somália existem 6,7 milhões habitantes a viver em insegurança alimentar, e destes aproximadamente 300 mil morrerão mesmo de fome.

Que mundo perverso em que vivemos!

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Da insurreição aos cruéis negócios do futebol (2)

 

No prosseguimento da saga a que me propus, continuo a desenvolver reflexões e abordagens, na vertente da insurreição no futebol. Sei que existem mais casos dramáticos, tais como a famigerada BSports Academy, em Riba d’Ave. Porém, por opção, deixo esse tema para texto posterior.

Ao analisar o fenómeno de insurreição no futebol, deve distinguir-se em dois capítulos:

      1.  A insurreição de carácter político, de jogadores que envergaram o equipamento da selecção nacional, à semelhança do que hoje sucede com vedetas de futebol, como Ronaldo, Ruben Dias, Bernardino Silva e muitos outros espalhados por Portugal e outras paragens. 

     2.  A insurreição por meios violentos tão comum das claques, os quais, no nosso país e em outros, causaram assinalável número de mortos.

Vamos à insurreição política dos jogadores em 1938, no Portugal-Espanha promovido por Salazar e Franco. Há que destacar que se tratou mesmo de uma manifestação de contestação política dirigida ao regime. De facto, Artur Quarema, Mariano Amaro e Simões expressaram a revolta em nome do povo português e a forma como o fizeram não envolveu a mínima violência. Para se ter uma ideia da consciência das referidas figuras, deve ter-se em linha de conta de que Mariano Amaro era operário no Alfeite, Simões conduzia camiões-cisterna da Shell e efectivamente de Artur Quaresma, cigano, sei que era do Barreiro, começou no Barreirense e transferiu-se para o Belenenses onde permaneceu 13 anos – de assinalar que a C. M. do Barreiro o homenageou em 1992. Todos eles eram homem pacíficos, civilizados e dedicados à luta pela democracia.

No que respeita ao segundo tipo de insurreição, está em desenvolvimento desde os anos 1980, com as claques organizadas. Teve o desfecho mais trágico no Estádio do Heysel, na Bélgica, jogo Liverpool-Juventude, tendo-se registado 39 mortos. De salientar que infelizmente não foram os únicos mortos nos confrontos entre claques. Em Portugal, também os houve e ainda por diversos países do mundo. Inclui-se a própria Inglaterra, pátria do futebol, e países da América do Sul, com infeliz destaque para a Argentina.

Em Portugal, a segurança no futebol está longe de atingir os objectivos que as autoridades se propunham alcançar. Os “exércitos” que, enquadrados pela polícia, se mobilizam com armas, “very light’s” e posturas agressivas têm de ser eliminados. E não pode haver condescendências, como a aquela que, no final da Taça de 2022/2023, se verificou com um adepto no Estádio do Jamor que estava proibido de frequentar estádios de futebol durante 3 anos.

É tudo o que me apetece dizer hoje sobre futebol. E, de insurreição violenta, tudo o que referi é triste e existe, como diz a letra do fado.