segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Hannah Arendt e o conflito israelo-palestiniano

 


Hannah Arendt





Tenho um fascínio sobre a vida e a obra Hannah Arendt. 

Alemã e judia de nascimento, em 1941 esteve detida num campo de concentração nazi, próximo de Paris, de onde se evadiu para Portugal. Curiosamente, residiu em Lisboa, no n.º 6 da Rua da Sociedade Farmacêutica, não muito longe do Hospital de Santa Marta. Da capital portuguesa, emigrou para os EUA, apátrida na primeira fase, mas posteriormente nacionalizada estadunidense.

Na carreira universitária e na actividade intelectual, teve alguns comportamentos controversos que, sobretudo, foram criticados por membros de comunidades judaicas. A sua iniciação no estudo da filosofia, foi impulsionado pelo filósofo alemão Martin Heidegger, com quem manteve um romance; homem conectado com o partido nazi alemão. Sob fortes críticas de comunidades judaicas, o romance extinguiu-se, mas ainda assim a relação, a nível de investigação e estudos académicos, manteve-se e Heidegger teve influência e Hannah Arendt difundiu as ideias do estudioso alemão nos EUA.

No início da década de 1960, ao serviço da revista The New Yorker foi enviada para Israel para observar e comentar o julgamento de Adolf Eichmann, militar nazi capturado pelos Serviços Secretos de Israel ao fim de 20 anos. A reportagem em Israel deu origem à concepção e publicação do livro "Eichmann em Jerusalém' que suscitou enorme polémica nas comunidades judaicas.

Hannah Arendt cria o conceito "banalidade do mal", inspirada pelas teorias do "mal radical" de Kant. O "mal radical", na teoria de Kant que Arendt seguiu, não é uma designação por ser intenso, mas por estar enraizado em seres humanos que o praticam (radix em latim significa raiz). O "mal radical" fundamenta-se no ódio e caracterizou os comportamentos de políticos como Hitler. Himmler e Goebbels.

O "mal banal", na avaliação de Hannah Arendt, não se baseia em si próprio. Em suma, auto-classificada então como teórica política, Arendt aderiu à ideia, utilizada por Eichman, de que se limitou a executar acções por ordens superiores e sem noção de que estava a perpetrar actos de antissemitismo.

Nestas circunstâncias, Hannah Arendt não analisou o comportamento de Eichmann - e de outros, naturalmente - sob o enviesamento moral mas sim político. Considerou que ele era tão medíocre que seria incapaz de ser um monstro. Eichmann era apenas uma pessoa buscando ascensão por meio de um sistema totalitário e teria entrado para a Gestapo para ganhar dinheiro.

A obra de Hannah Arendt, intensamente citada por distintos autores, como Tony Judt, Martin Gilbert e outros académicos de prestígio, é muito vasta e de imenso valor intelectual. Em síntese, tenho a certeza que, como cidadã do mundo mais do que judia, reprovaria o horrendo ataque do Hamas, mas sinto enorme curiosidade em saber o juízo que ela formaria sobre o tipo de retaliação que Benjamin Netanyahu e seus acólitos da Defesa de Israel estão a planear e a executar sobre o povo palestiniano. Danos colaterais de uma guerra é um efeito inevitável mas limitado; porém, quando o colateral se transfere para objectivo central, há claramente um beligerante a incorrer em crimes de guerra definidos pelas Convenções de Genebras de 1949 e consequentes Protocolos.

Fico pela pergunta, porque quem poderia responder já não está entre os vivos.



















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