segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Ai ‘Aventar’, quem te viu e quem te vê!

A convite de um dos fundadores do ‘Aventar’, Ricardo dos Santos Pinto, tornei-me bloguer; actividade que, com interrupções ditadas por compromissos familiares e outros, ainda desempenho irregularmente no meu ‘Solos sem Ensaio’.
No ‘Aventar’, escrevi e aprendi. Compúnhamos um grupo coeso, plural e tolerante em relação às ideias políticas de cada autor. O Fernando Moreira de Sá, o José Magalhães, o Nuno Castelo Branco e a jovem Daniela Major alinhavam pelo ideário do centro-direita. Os restantes, incluindo eu próprio, pautavam-se pelo centro-esquerda e pela esquerda, nos textos publicados.
O ‘Aventar’, devido a um ‘post’ e um vídeo a desmascarar as mentiras e falsas promessas de Passos Coelho, de autoria de Ricardo Santos Pinto, atingiu um elevadíssimo pico de audiência; vários milhares por dia. O ‘post’ em causa, de resto, foi citado na comunicação social, em especial nas TV’s, por diversos políticos e comentadores.
Em função do pluralismo, independência, da melhoria da plataforma e formato - obra do saudoso João José Cardoso e do J. Manuel Cordeiro - e sobretudo pelo nível e objectividade dos textos, confesso saudades desses tempos do ‘Aventar’. O nível dos saberes e talentos de António Nabais (com quem conflituei, diga-se), da Carla Romualdo e, mais tarde, da Sarah Adamopoulos, além do orgulho, criaram em mim a obrigação de escrever com qualidade; coisa que, de resto, não foi nem é nada fácil para quem, de estudante a profissional, gastou anos de vida em volta da álgebra e da matemática, das funções, derivadas e integrais, de projectos de investimento e economia de empresas (tudo o que há de mais entediante, face ao maravilhoso mundo das letras e da linguagem, na definição de Camilo e do Padre António Vieira).
Foram-se esses tempos e o ‘Aventar’, gradualmente, tem-se transformado em realidade bem diferente e, a meu ver, para pior.
Bruno Santos, em título escreveu: “Bernie Sanders votou a favor da mudança da embaixada para Jerusalém”. No texto, os argumentos e citações pretendem levar à conclusão de que a deliberação do conservador Trump é legítima, porque até – vejam lá! – o democrata Bernie Sanders, de tendência socialista,  enquanto senador, também votou a favor da referida mudança.
Bruno Santos até pode ser apoiante de Trump e de que Jerusalém, cidade do judaísmo, do islamismo e do cristianismo, seja a capital política de Israel. Nada o impede de ter tais opções, mas tem de ser objectivo na comunicação. Seria, pois, conveniente que referisse os seguintes aspectos fundamentais:
  •  Bernie Sanders é judeu, como referiu o “The Times of Israel”, em 19 de Abril de 2016.
  • A comunidade judaica nos EUA é numerosa e economicamente poderosa, no auxílio financeiro aos Partidos Republicano e Democrata.
  • A família de Jared Kushner, judeu, genro e conselheiro de Trump para o Médio-Oriente, mantém há longa data relações de forte amizade com Benjamin Netanyahu, actual PM de Israel e membro da extrema-direita sionista – ler esta peça do “The New York Times”.
Por último, deverá tomar-se em consideração a relação estreita e histórica entre o sionismo e os socialistas judaicos. Em “História de Israel”, de Martin Gilbert, página 147, pode ler-se:

Havia muito que o sionismo trabalhista se tornara a principal força criativa em toda a Terra de Israel. Em 1945, um grupo desses jovens fixou-se em Misgav Am (Fortaleza do Povo), bem como no Norte da Alta Galileia, na fronteira com o Líbano.

Trump representa a ‘alt-right’, a supremacia branca e Bernie Sanders partilha com ele o uniteralismo dos EUA em relação ao Médio-Oriente. A questão central, desta junção política, é: se a paz do Médio Oriente estava moribunda, com este golpe ficou morta. Os milhões de palestinianos, sobretudo a viver em condições infra-humanas, nada contam para republicanos e democratas norte-americanos.
Ai “Aventar”, quem te viu e quem te vê!  

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

As perversas relações de trabalho da economia global

O INE, ontem, publicou estes dados inerentes ao valor, em 2016, dos ‘Serviços Prestados a Empresas’ (SPE). Cresceu 4,4% relativamente a 2015, atingindo o total de 13.798 milhões de euros, lê-se na publicação.
O mais impressionante, em minha opinião, é que, do citado valor, 75% (10.348,5 milhões de euros) corresponde ao sector de ‘serviços das empresas de trabalho temporário’. Em termos percentuais, foi o sector que mais se destacou no crescimento em 2016 em relação ao anterior, com 7,0%.
Com efeito, trata-se de um volume de negócios estrondoso – por exemplo, equivale a 13,14% do empréstimo que Portugal contraiu junto da ‘troika’ (78.000 milhões). Académica e socialmente, seria bastante útil realizar uma investigação muito fina, com o objectivo de saber com precisão como e a quem foi distribuído esse valor - de 10.348,5 milhões de euros repito. Por exemplo, determinar, em termos globais e médios do sector, os seguintes indicadores:
  • Excedente Bruto de Exploração (EBE), o qual corresponde à diferença entre os proveitos líquidos (vendas, prestações de serviços, etc.) e os custos ligados directamente à exploração, sem amortizações e provisões.
  • Pagamentos ao Estado - impostos e contribuições/quotizações para a Segurança Social, pagos por empresas e trabalhadores.
  • Valor total das retribuições líquidas distribuídas aos trabalhadores temporários, n.º total de trabalhadores, cálculo da retribuição líquida / trabalhador.
  • Desagregação da retribuição bruta distribuída, segundo o n.º de trabalhadores classificados em 5 escalões: 1.º) SMN, 2.º)> SMN ≤ Salário Médio Nacional/2016, 3.º)> Salário Médio Nacional/2016 ≤ 1000 euros, 4.º)> 1000 ≤ 1500 euros, 5.º)> 1500 euros.
  • Números e percentagens dos trabalhadores temporários com contrato a termo e daqueles contratados em termos definitivos.
Certamente complementada por outros aspectos, e expurgada de prestações de serviços relativas a trabalho no estrangeiro, a investigação serviria para avaliar a contribuição do ‘trabalho temporário’ para a precariedade e a exploração dos baixos salários, obrigando, pelo menos, a reflectir sobre políticas sociais e económicas correctivas.
Em Novembro último, a UE realizou em Gotemburgo uma cimeira subordinada ao tema ‘O Pilar Europeu dos Direitos Sociais’. Estiveram presentes o PM, António Costa, e o Ministro Vieira da Silva. Chegou a falar-se da hipótese de uma legislação Europeia do Salário Mínimo. É mera conversa fiada. Serviram uma espécie de digestivo da teoria da ‘ultra-topia’ leninista ao rematar a cimeira. Agradeço a atenção do serviço, mas, verdade, verdade, é que, na UE, a realidade das ‘Taxas de Empregados em Risco de Pobreza (18-64 anos) ‘, em 2007 e 2014 foi esta:


Como se verifica, na grande maioria dos países, em 2014 comparativamente com 2017, a taxa de risco de pobreza de quem trabalha agravou-se. Em Portugal, registou-se um aumento de 9 para 10,50%. É a perversão das relações de trabalho com prejuízo para os trabalhadores. O gráfico não engana.