O jornal ‘Público’, edição de
ontem, 29-Out-2017, divulgou, nesta
peça da jornalista Margarida David Cardoso, a seguinte afirmação do Dr.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos:
“Consultas que não sejam presenciais não podem ser consideradas
consultas médicas”
Trata-se de uma declaração de
ignorante ou da intenção dolosa de lançar a suspeição na opinião pública? Fica
a dúvida, mas acompanhada da certeza de que o médico Miguel Guimarães despreza
os avanços científicos registados no âmbito da ‘eHealth’, e mais concretamente
nos domínios da telesaúde ou da telemedicina.
O mais inquietante é a grosseira
opinião ser difundida a propósito daquilo que o jornal cita como “regras claras”
para a regulamentação da actividade no sector da saúde com recurso às
Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s).
Temo, sinceramente, que o
Ministro da Saúde, Dr. Adalberto Campos Fernandes, se deixe influenciar pela
torpe visão do bastonário da OM, reduzindo, em letra de lei, as capacidades de
intervenção das TIC’s, no que se refere à prestação de cuidados de saúde, à
optimização da equidade no acesso a esses cuidados por populações do interior, à
interacção entre médicos para debate de interpretações e saberes, e ainda à
agilização de processos de comunicação de resultados de análises clínicas e do
uso de meios complementares de diagnóstico. Isto tudo e muito mais.
Em Portugal, ainda que sejam desejáveis
avanços mais céleres e consistentes, há casos de sucesso no uso da
telesaúde/telemedicina. Apresento exemplos:
- No Hospital de Santa Cruz (HSC), um médico de ‘cardiologia pediátrica’ analisa em tempo real à distância, entre Carnaxide e os Açores, a ecografia para eventual detecção de ‘anomalia cardíaca congénita’ no feto; se existem indícios, a grávida é aconselhada a vir para o HSC para, em tempo oportuno, se realizar o parto e, confirmada a citada anomalia, é feita a cirurgia ao recém-nascido; a visualização da ecografia é feita em metade do monitor e, na outra metade, o cardiologista pediátrico observa e comunica com os colegas obstetras e pediatras que também assistem ao acto – anteriormente a este procedimento, havia uma considerável taxa de mortalidade de recém-nascidos devido à anomalia em causa e, no caso de sobrevivência, o bebé, os pais, uma enfermeira e um médico vinham para Lisboa de urgência, com custos suportados pelo SNS.
- No Hospital Pediátrico de Coimbra, sob a orientação do Dr. Eduardo Castela, é prestada assistência médica idêntica, em conexão com médicos do interior, nomeadamente do Hospital da Cova da Beira.
- No Alentejo (Alto e Baixo), os hospitais de Beja, Elvas, Évora e Portalegre realizam teleconsultas em videoconferência, para complementaridade em áreas de especialização em que a(s) unidade(s) clientes não têm médicos; as referidas unidades, em especial Évora, prestam serviços de saúde, por teleconsulta, a centros de saúde da região; nos centros destinatários, os doentes estão acompanhados pelo médico de família que cumpre as instruções do médico especialista e, com altíssima frequência, evita-se a deslocação, nomeadamente de idosos e acompanhantes, e os custos de transporte em ambulâncias ou táxis, suportados pelo SNS; se o diagnóstico se revelar mais complexo, o doente, então sim, é encaminhado para o hospital.
Estes factos, penso, demonstram
os benefícios do recurso às TIC’s em actividades médicas. Todavia, se
subsistissem dúvidas acerca do valor da ‘eHealth’, poderiam extrair-se
conclusões deste ‘site’ da OMS; ou
então, da longa e sólida experiência da Noruega em telemedicina, que pode ser
testemunhada aqui.
O ‘Público’, se quiser informar
os leitores da aplicação das novas tecnologias no sector da Saúde e contribuir
para uma discussão séria antes de a regulamentação ser produzida e promulgada,
deverá o investigar no terreno o que está a fazer-se e não se limitar a
publicar as opiniões do retrógrado Dr. Miguel Guimarães – com as posições das Ordens
dos Psicólogos e Nutricionistas nem sequer perco tempo.