segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Telemedicina, a torpe visão do bastonário da Ordem dos Médicos

O jornal ‘Público’, edição de ontem, 29-Out-2017, divulgou, nesta peça da jornalista Margarida David Cardoso, a seguinte afirmação do Dr. Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos:
“Consultas que não sejam presenciais não podem ser consideradas consultas médicas”
Trata-se de uma declaração de ignorante ou da intenção dolosa de lançar a suspeição na opinião pública? Fica a dúvida, mas acompanhada da certeza de que o médico Miguel Guimarães despreza os avanços científicos registados no âmbito da ‘eHealth’, e mais concretamente nos domínios da telesaúde ou da telemedicina.
O mais inquietante é a grosseira opinião ser difundida a propósito daquilo que o jornal cita como “regras claras” para a regulamentação da actividade no sector da saúde com recurso às Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s).
Temo, sinceramente, que o Ministro da Saúde, Dr. Adalberto Campos Fernandes, se deixe influenciar pela torpe visão do bastonário da OM, reduzindo, em letra de lei, as capacidades de intervenção das TIC’s, no que se refere à prestação de cuidados de saúde, à optimização da equidade no acesso a esses cuidados por populações do interior, à interacção entre médicos para debate de interpretações e saberes, e ainda à agilização de processos de comunicação de resultados de análises clínicas e do uso de meios complementares de diagnóstico. Isto tudo e muito mais.
Em Portugal, ainda que sejam desejáveis avanços mais céleres e consistentes, há casos de sucesso no uso da telesaúde/telemedicina. Apresento exemplos:
  • No Hospital de Santa Cruz (HSC), um médico de ‘cardiologia pediátrica’ analisa em tempo real à distância, entre Carnaxide e os Açores, a ecografia para eventual detecção de ‘anomalia cardíaca congénita’ no feto; se existem indícios, a grávida é aconselhada a vir para o HSC para, em tempo oportuno, se realizar o parto e, confirmada a citada anomalia, é feita a cirurgia ao recém-nascido; a visualização da ecografia é feita em metade do monitor e, na outra metade, o cardiologista pediátrico observa e comunica com os colegas obstetras e pediatras que também assistem ao acto – anteriormente a este procedimento, havia uma considerável taxa de mortalidade de recém-nascidos devido à anomalia em causa e, no caso de sobrevivência, o bebé, os pais, uma enfermeira e um médico vinham para Lisboa de urgência, com custos suportados pelo SNS.
  • No Hospital Pediátrico de Coimbra, sob a orientação do Dr. Eduardo Castela, é prestada assistência médica idêntica, em conexão com médicos do interior, nomeadamente do Hospital da Cova da Beira.
  • No Alentejo (Alto e Baixo), os hospitais de Beja, Elvas, Évora e Portalegre realizam teleconsultas em videoconferência, para complementaridade em áreas de especialização em que a(s) unidade(s) clientes não têm médicos; as referidas unidades, em especial Évora, prestam serviços de saúde, por teleconsulta, a centros de saúde da região; nos centros destinatários, os doentes estão acompanhados pelo médico de família que cumpre as instruções do médico especialista e, com altíssima frequência, evita-se a deslocação, nomeadamente de idosos e acompanhantes, e os custos de transporte em ambulâncias ou táxis, suportados pelo SNS; se o diagnóstico se revelar mais complexo, o doente, então sim, é encaminhado para o hospital.
Estes factos, penso, demonstram os benefícios do recurso às TIC’s em actividades médicas. Todavia, se subsistissem dúvidas acerca do valor da ‘eHealth’, poderiam extrair-se conclusões deste ‘site’ da OMS; ou então, da longa e sólida experiência da Noruega em telemedicina, que pode ser testemunhada aqui.
O ‘Público’, se quiser informar os leitores da aplicação das novas tecnologias no sector da Saúde e contribuir para uma discussão séria antes de a regulamentação ser produzida e promulgada, deverá o investigar no terreno o que está a fazer-se e não se limitar a publicar as opiniões do retrógrado Dr. Miguel Guimarães – com as posições das Ordens dos Psicólogos e Nutricionistas nem sequer perco tempo.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Música: 'A Felicidade' de Jobim e Vinicius


Porque hoje é um dia triste, escolhi 'A Felicidade' de António Carlos Jobim (música) e Vinicius de Moraes (poema). Uma melodia e uns versos simples e apropriados ao meu estado de espírito.
Bom fim-de-semana.

Catalunha, o imbróglio

Parlamento da Catalunha - Deliberação da Independência
(27-Out-2017)
A maioria formada pelos deputados afectos ao governo de Puigdemont votou, no Parlamento regional, a ‘Independência da Catalunha’. 
O governo de Madrid, por Mariano Rajoy, sustentado pela deliberação do Senado e ao abrigo do Art.º 155 da Constituição de Espanha, decidiu ripostar com a suspensão do estatuto autonómico, destituindo de funções o líder do Governo Catalão, Carles Puigdemont, assim como todos os restantes membros do mesmo Governo, o director geral da polícia, Pere Soler, o director geral do departamento Interior, César Puig, os delegados governamentais em Madrid e Bruxelas [El País]. O PM espanhol declarou ainda que, em 21 de Dezembro próximo, haverá eleições autonómicas.
Nas ruas de Barcelona, há milhares a festejar a ‘independência’. Ignora-se, contudo, se os anti independentistas, a esta hora em silêncio, são mais milhares dos que agora eufóricos. Talvez tenhamos a resposta depois das eleições de 21-Dez. Se estas se realizarem… É óbvio.
O imbróglio estava criado, mas, nesta sexta-feira negra, complicou-se. A ver vamos se, depois do ‘suspense’, não haverá uma Espanha mais fracturada, na Catalunha e em outras regiões do País. Os espanhóis estão divididos e esperamos que não se repita a história do romance ‘Por Quem os Sinos Dobram’ de Ernest Hemingway – “Quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade” foi uma frase-chave inspiradora da obra notável do escritor norte-americano, homem que, de resto, viveu no interior da Guerra Civil Espanhola.
Entendo que hoje é um dia triste, para Espanha, para Europa e para o Mundo.   

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Os incêndios das relações entre PR e Governo

Terminadas - por ora e oxalá que para sempre - as tragédias dos incêndios, seria de esperar que a comunicação social, pelo menos a parte que é tida como de referência, se empenhasse no debate público das recomendações do relatório da Comissão Técnica Independente (tragédia de Pedrogão), assim como na avaliação do conteúdo e da probabilidade de eficácia das medidas do Conselho de Ministro do passado Sábado.
Ontem, na SIC-N e hoje no ‘Público’, aqui e aqui, apercebi-me, sem dificuldade, que há profissionais de comunicação mais interessados em desempenhar o papel de incendiários das relações entre o PR e o Governo. Sem a necessidade de ser prestidigitador na manipulação de ideias, percebe-se que o objectivo fulcral do truque é apenas um: destroçar o Governo, a ‘geringonça’ e, naturalmente, a maioria parlamentar do PS, BE, PCP e Verdes. Para os escribas em causa, novas eleições são a saída ambicionada. Se possível para o início de 2018, com Santana Lopes ao leme do PSD. Até lá, o CDS de Cristas aguenta o barco da direita.
Na altura própria, em dois ‘posts’, condenei a incompetência da ex-Ministra da Administração Interna, assim como a co-responsabilização de António Costa nessa incompetência, de desastrosos resultados para o País.
Quanto a Marcelo, e também neste meu blogue, expressei que não sou admirador dos afectos do PR que, como sublinhei no devido momento, é uma personalidade volúvel.
De facto, dispenso os serviços de Marcelo Rebelo de Sousa ou de qualquer outro político em papéis de intermediários da partilha de dor e da solidariedade devida a vítimas de calamidades ou de pobreza extrema. Desde os tempos da escola primária (Escola 15 de Lisboa), eu e outros mais remediados – assim se designava à época – valíamos a companheiros que viviam em condições miseráveis, na então ‘Quinta dos Peixinhos’, junto do Convento de Santos-o-Novo. Segui a educação e a cultura do humanismo, tradicional nos meus antepassados. Não careci de ingressar na JUC-Juventude Universitária Católica para aprender a ser solidário. Vivi o tempo do salazarismo sem pai ministro ou alto funcionário do Estado.
Nesta hora de pós-tragédia, de um terço do País manchado de negro, o que é urgente é agilizar e cumprir, de forma célere, o processo de ajudas a famílias e actividades económicas atingidas pelos incêndios. O que os interesses primordiais do País dispensam são as divergências entre órgãos de soberania, alimentadas pela comunicação nacional, com o objectivo de servir apenas fracturantes e fracturadas ambições partidárias.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Música - 'Saudade' de João Gil, 'Trovante'


Um episódio da minha vida pessoal, esta semana, fez-me pensar em 'Saudade', composição de João Gil, cantada por Luís Represas, ambos integrados no grupo 'Trovante'. A letra diz "Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado." Eu não tive. Serve-me de consolação ouvir a melodia e ter em atenção a letra.
Bom fim-de-semana!

O populismo de Marcelo desnudado pelo blogue ' O Jumento'

Sou leitor diário do blogue 'O Jumento'. O seu único autor, ao que julgo saber, é funcionário público e já foi alvo de investigação por parte da Polícia Judiciária e Interpol por queixa do actual CEO da CGD, Paulo Macedo, à época Director-Geral dos Impostos [ler aqui].
Os 'posts' de 'O Jumento', além da qualidade do estilo, são objectivos e, quando tem de ser, afrontam quem entende que deve enfrentar. Usa a liberdade de expressão, dentro das normas do civismo, o que não impede ser directo e duro nas críticas sejam a quem for.
No 'post' de hoje, sob o título 'O Populismo segundo Marcelo Rebelo de Sousa', e em último parágrafo, pode ler-se em 'O Jumento' o seguinte:


Tenho a mesma opinião; mas, a quem possa ter dúvidas, recomendo a leitura integral do 'post'.



quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Os fogos políticos à volta dos incêndios

Eu e as TV’s vivemos de costas voltadas, na maior do tempo. Encontramo-nos à meia-noite, na RTP 1, na SIC-N ou na TVI24. Depende do gesto instintivo do meu indicador sobre o comando. Isto explica que, quando escrevi e publiquei o meu último ‘post’, Marcelo afectuoso e volúvel, Domingo, ao final da tarde, desconhecia a imensa tragédia de devastadores incêndios que estava o ocorrer pelo País.
De Monção a Mafra, de Oliveira do Hospital ao Pinhal de Leiria, de Vouzela a Penacova, e por aí fora, o Norte e o Centro de Portugal foram varridos por enormes manchas de chamas que, à semelhança da ‘tragédia de Pedrogão’, deixaram para trás 42 mortos, à data de hoje, umas dezenas de feridos, alguns em estado grave. Os outros despojos desta nova tragédia são aqueles que se sabem: sofrimento de populações locais, vidas familiares, casas e aldeias destruídas, mais uns milhares de hectares de florestas e pastos manchadas daquele negro que, de tão imenso e triste, nos derruba para uma dor a que nenhum analgésico pode valer.
Sabe-se que a Ministra da Administração Interna se demitiu hoje e António Costa aceitou (‘Público’). Sabe-se até mais: depois de Pedrogão, Constança Urbano de Sousa pedira a demissão e Costa recusara, com alegação de que seria preciso aguardar pelo relatório da Comissão Técnica Independente; relatório este que, para quem como eu tem uma casa de aldeia em zona florestal, vem, no fundo, repetir aquilo que sabemos desde há décadas e uns quantos académicos repetem em comentários na comunicação social; ou seja, as graves falhas de ordenamento do território, a acumulação de matérias combustíveis em vastas áreas, a carência de acessos, a orografia, a falta de patrulhamento e de vigilância, o despovoamento e o envelhecimento nas comunidades do interior, aldeias, vilas ou mesmo cidades, e a incapacidade dos bombeiros voluntários para as exigências do combate. No caso presente, de inúmeras e complexas frentes de fogo acolhido em clima de seca severa e humidade reduzida e ainda propagado por ventos erráticos e vigorosos.
Seguindo o ritual imposto pelo calendário gregoriano, o termo da fase ‘Charlie’ implicou uma redução de recursos (dispensa de 29 meios aéreos, desactivação de postos de vigia e efectivos de prevenção e combate). A Ministra, agora de saída, ajudou à deterioração da ANPC, desde sempre um abrigo para militares na reserva e militantes partidários, com a colocação na chefia, ao que nos é dado a perceber, de gente incompetente e do amiguismo que Manuel Alegre, no DN de hoje, denuncia com revolta e mágoa.
Sobretudo, no verão quente e prolongado que temos tido, a ANPC, a nível central e local, jamais poderia ter ficado paralisada, fosse em que período de tempo fosse e, por maioria de razão, num fim-de-semana para o qual o IPMA havia previsto ‘ventos muito fortes’, oriundos do Norte de África e causados pelas franjas do furacão ‘Ophelia’ que atingiu os Açores. A Ministra tem responsabilidades na falta de mobilização de meios e de acção organizada contra os incêndios. Pedir resiliência a populações, maioritariamente compostas por sexagenários, septuagenários e octogenários, é no mínimo ridículo. Lamento dizê-lo.
António Costa, em relação à tragédia de 15-Outubro, teve igualmente um discurso lamentável. Não é necessário citar. Basta ler.
Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou, entretanto, para se furtar do círculo de conivência com o Governo, criado em Pedrogão. – Nada mais poderia ter sido feito – disse então o PR. Ontem, em Oliveira Hospital, afirmou: - A Assembleia da República que clarifique se quer manter o governo. Isto, obviamente, é endereçar para os deputados do BE, PCP, PS e Verdes a responsabilidade de manter a ‘geringonça’, face à incompetência e vontade política do Governo em matéria de gestão de florestas e incêndios. Sim, porque Marcelo ainda acrescenta: - Usarei de todos os poderes como PR…
O sarilho está criado e Marcelo, habilmente e invocando questões ponderosas, passou nitidamente do apoio à oposição a António Costa. O Primeiro-Ministro pôs-se a jeito…


domingo, 15 de outubro de 2017

Marcelo afectuoso e volúvel

O narcisismo é um traço de personalidade muito comum em políticos. Cavaco Silva, da governação à Presidência da República, usou e abusou desse estilo, acrescentando-lhe uma contranaturalidade repugnante. Sempre hirto e rígido, física e emocionalmente, emproado na comunicação e dissimulado em gestos e sorrisos esfíngicos, chegou ao fim do mandato mais impopular de todos os presidentes do regime democrático.
Dito isto, a probabilidade do seu sucessor ter a simpatia das massas era altíssima. Com Marcelo Rebelo de Sousa (MRB), a probabilidade converteu-se em realidade. Inteligente, culturalmente superior, hábil comunicador e excelente intérprete dos sentimentos da alma portuguesa, na campanha eleitoral e no exercício do cargo, Marcelo recolocou a PR no coração dos portugueses. Onde passa Marcelo passa o afecto.
A ‘geringonça’, termo que Vasco Pulido Valente inventou no vaticínio de que a cangalhada soçobraria no dia seguinte; a ‘geringonça’, dizia eu, mediante a política de reversão de rendimentos, tornou-se em instrumento útil para Marcelo. A alegria assim como a dor são duas componentes do mundo dos afectos em que o PR adora mergulhar. O pior é que ele também sabe ser volúvel.
Entretanto, surgiram dois obstáculos de monta para a governação tranquila e de sucesso de António Costa: o incêndio de Pedrogão e o furto de armas de Tancos. Deixemos o caso de Tancos – denunciei oportunamente o desmazelo aqui – e fixemo-nos no incêndio de Pedrogão.
Do relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), extraem-se conclusões acerca de causas e efeitos do dramático fogo de Pedrogão e concelhos limítrofes. Algumas dessas conclusões são, naturalmente, de carácter político e atingem áreas ministeriais da Agricultura e da Administração Interna, a primeira mais no domínio da prevenção e gestão da floresta e a última na actuação incapaz da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC).
Publicado o relatório, Marcelo não tardou a iniciar o processo de responsabilização da Administração Pública, ao declarar em nota escrita:
“ […] Portugal aguarda com legítima expectativa as consequências que o Governo irá retirar de uma tragédia sem precedente na nossa história democrática”, ´Público’.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

'Marcha Turca' de Mozart


Um sopro de música para o fim-de-semana. Desta vez, a 'Marcha Turca' de Mozart interpretada de forma irreverente, e portanto nada ortodoxa, pelo quarteto feminino Amadeus. Quatro jovens romenas que, através de instrumentos electrónicos, oferecem a descontracção e a alegria de uma bela melodia.
Bom fim-de-semana.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Ricardo Salgado e a lembrança de dois 'posts' de Fev. de 2013

O megaprocesso 'Operação Marquês', divulgado esta semana pelo MP, trouxe-me à memória este 'post', intitulado 'O Sagrado Sal do Espírito Santo (BES)' e publicado em Fevereiro de 2013 - a detenção de José Sócrates ocorreu em Novembro de 2014, cerca de um ano e nove meses depois.
O conteúdo do 'post', porque muito crítico da conduta de Ricardo Salgado, como banqueiro, gestor do BES e do GES, cidadão e contribuinte, serviu de pretexto para um tal Paulo Padrão, então director de comunicação do BES, me ter convocado para um encontro, com o objectivo de me agredir fisicamente. Até que ponto executaria a agressão não sei. Porque mo disse, apenas estou certo de que queria usar violência . 
Esclareço que o referido indivíduo, tido por 'apadrinhado' por Eduardo Catroga no ingresso no BES, se serviu de um amigo meu para obter de forma tortuosa o meu número de telemóvel.
Em relação ao acto de ameaça de que fui alvo, contei com a solidariedade de vários amigos, em especial de autores do blogue 'Aventar', no qual escrevi. Entre estes, destaco o Ricardo Pinto, que, de forma activa e deste modo, fez a minha defesa no 'Aventar'.
O triste caso veio-me à memória, por força da quantidade de jornalistas e comentadores que, agora e uma vez publicitado o megaprocesso em causa, são ferozes críticos de Ricardo Salgado. À época do meu texto, apenas Nicolau Santos do 'Expresso' condenava o BES e em especial Paulo Padrão. Os outros nem piavam (esta foi a primeira vez que Cavaco Silva me foi útil na vida).    

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O sebastianismo na figura de Passos Coelho

O jornal ‘Público’ de Domingo, 08-10-2017, publicou na 1.ª página uma destacada imagem de Pedro Passos Coelho (PPC). O título do texto é: “Passos fora: a história de um projecto liberal interrompido”; e, para que não haja dúvidas, em subtítulo reforça: “[…]Sai agora, quase só e com um projecto liberal interrompido. Sem o dar por terminado.”
Do texto em causa, de David Dinis, extrai-se a ideia de que o autor partilha das dores da partida de PPC. Exprime-se até em tom melancólico, sob a crença de um dia, não se sabe quando, o homem regressar para retomar o projecto ora descontinuado. O artigo remete, pois, para a ideia de um tipo de sebastianismo. Só não explica se o regresso acontecerá numa manhã de nevoeiro, numa tarde tempestuosa ou numa noite de tormentas. O futuro o dirá.
Classificar PPC de liberal é um erro, cometido, aliás, por outros jornalistas e comentadores políticos. Com efeito, o ainda líder do PSD/PPD não se integra no ‘liberalismo clássico’, ideologia a que, à semelhança de outros estudiosos, Tony Judt, em ‘O Século XX Esquecido’ se refere assim:
“O Estado-providência, em suma, nasceu de um consenso transpartidário do século XX. Foi implementado, na maioria dos casos, por liberais ou conservadores que haviam entrado na vida pública muito antes de 1914, e para quem o fornecimento público de serviços médicos universais, pensões de velhice, subsídios de desemprego e doença, educação gratuita, transportes públicos subsidiados, e os outros pré-requisitos de ordem civil estável, representavam não o primeiro estádio do socialismo do século XX mas o culminar do liberalismo reformista do fim do século XIX.”
Os propósitos programáticos e de acção governativa de PPC identificam-se, isso sim, com o ‘neoliberalismo’, na lógica dos modelos de Thatcher e Reagan, após a ‘Perestroika’ e a queda do muro de Berlim em 1989.
De resto, o texto do ‘Público’ denúncia com clareza o carácter ‘neoliberal’ do projecto de PPC, nomeadamente quando se escreve:
“[..] Passos tinha até orgulho nisso: o quase líder aparecia propondo uma redução das funções do Estado, uma contracção também no número de funcionários públicos (com a entrada de uma para…cinco saídas), o fim da subsidiodependência, a criação de uma ‘Entidade Reguladora da Educação’ para evitar ‘a dependência excessiva do Ministério’, a ‘modernização’ das leis laborais, o plafonamento da Segurança Social, financiado por emissão de dívida pública.”
Os portugueses, de hoje e do futuro próximo, sentem na pele e na alma que a “modernização” das leis laborais significa a precarização dos salários e das condições de trabalho. Também os pensionistas souberam, na vida real, o que representa o “plafonamento da Segurança Social”, não devendo esquecer que foi o Tribunal Constitucional quem cortou os passos a Coelho, assim como, posteriormente, nas últimas eleições, o ainda líder do PSD/PPD propôs um corte efectivo de 600 milhões de euros nas despesas da SS.
Todavia, temos de reconhecer a instabilidade, a volatilidade e as contradições das sociedades da globalização, não surpreendendo que o citado Coelho ou outro láparo se afirme na cena política em tempos futuros, com os mesmos propósitos. Vive-se demasiado à pressa e a memória colectiva é curta.

sábado, 7 de outubro de 2017

Música 'América' do West Side Story


Mulheres e homens civilizados, ao redor do mundo, já estranham pouco os disparates de Trump, umas vezes no 'twitter', outras em comportamentos absurdos e estrambólicos. Do actual PR dos EUA, espera-se tudo menos sensatez e respeito pelos supremos interesses e direitos de seres humanos.
A sua recente visita a Porto Rico foi caricata e desrespeitadora para uma população fustigada por um furacão, Maria, que devastou a ilha, matou gente e deixou apenas 7% da ilha com energia eléctrica. A BBC registou esta e outra informação, aqui, classificando de abominável o comportamento de Trump.
Porque estamos em fim-de-semana e música é a melhor das terapias para nos descontrair, recorri à publicação de 'América' do memorável 'West Side Story', musicado pelo não menos inesquecível Leonard Bernstein e com poemas de Stephen Sondheim. O filme foi dirigido pelo histórico Robert Wise, cineasta e produtor que foi premiado com vários óscares.
Bom fim-de-semana!

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Catalunha, os independentistas e os anti independentistas

À semelhança de outras regiões de Espanha, a Catalunha tem uma história multisecular, complexa e recheada de transformações políticas. Se iniciarmos a análise histórica no século IX, regista-se que a região catalã esteve, nessa época, sob o domínio do Império Carolíngio, da França medieval; no século X, os condados catalães declararam a independência em relação ao poder carolíngio; no século XII, o conde Berenguer IV (1131-1162) tomou em casamento Petronita de Aragão, filha do rei Ramiro, tornando-se príncipe daquele reino, através de uma união dinástica do Condado de Barcelona com o Reino de Aragão.
A citação de estes fragmentos históricos serve para evidenciar que as transmutações, ao longo de séculos, da Catalunha, em termos de particularismo, soberania e dependência, foram diversas e, por vezes, profundas. Centrar a análise histórica, apenas, na sublevação catalã, em 1640, parece-me redutor, ainda que os acontecimentos, à época, também tenham sido relevantes do ponto de vista político, económico, social e até religioso.
Perante este acervo histórico e a tensão actual entre o Governo de Madrid e o Governo Autónomo da Catalunha, sinto-me incapaz de defender uma posição pró ou contra a independência da região. Estou certo, apenas, da legitimidade de pugnar pelo escrutínio participado, idealmente, por todos os catalães habilitados a exercer o direito de voto no processo de autodeterminação.
Trata-se, pois, de um processo político, para o qual a História pode contribuir, mas nunca de forma decisiva. De igual modo, aliás, se revelou contraproducente a judicialização da causa pelo desastrado Governo de Rajoy que, para cúmulo, recorreu à força policial para repressão de manifestantes independentistas – polícias, bastões e balas de borracha de um lado e agredidos, com muita ou pouca gravidade, de outro; tudo isto só favoreceu os independentistas e multiplicou os seus apoiantes. Neste tipo de causas, a vitimização é fácil e rende mais manifestantes e apoios.
Todavia, há que admitir que, ao contrário do que os media e em especial as TV’s mostram, também existem, e muitos, anti independentistas. Segundo números divulgados ‘El País’,  em 1 de Outubro, votaram 2.262.424 cidadãos, dos quais 2.020.144, número adiantado pelo Governo Catalão, se pronunciaram pelo sim à secessão; adianta o citado jornal que o total de recenseados é de 5.343.358, concluindo que, apenas, 42% exerceram o direito de voto.
A notícia exibe ainda imagens de uma manifestação muito participada de anti independentistas, referindo a existência de um clima de intimidação de que estes são vítimas por parte dos defensores da independência.
De nada adianta, como fazem hoje no ‘Público’ diversos intelectuais e universitários, despejar mais argumentos suportados por Leis e Tratados. O processo é só e tão só político. Rajoy e Puigdemont negoceiem e organizem um referendo democrático envolvendo a grande maioria dos catalães na votação e sem pressões de um e de outro lado. Quem ganhar, ganha! Mas há que advertir que há a probabilidade de resultados com mais benefícios do que custos ou de outros com mais custos do que benefícios. Depende da perspectiva. Todavia, votar é preciso.