Eu e as TV’s vivemos de costas
voltadas, na maior do tempo. Encontramo-nos à meia-noite, na RTP 1, na SIC-N ou
na TVI24. Depende do gesto instintivo do meu indicador sobre o comando. Isto
explica que, quando escrevi e publiquei o meu último ‘post’, Marcelo
afectuoso e volúvel, Domingo, ao final da tarde, desconhecia a imensa
tragédia de devastadores incêndios que estava o ocorrer pelo País.
De Monção a Mafra, de Oliveira do
Hospital ao Pinhal de Leiria, de Vouzela a Penacova, e por aí fora, o Norte e o
Centro de Portugal foram varridos por enormes manchas de chamas que, à
semelhança da ‘tragédia de Pedrogão’, deixaram para trás 42 mortos, à data de
hoje, umas dezenas de feridos, alguns em estado grave. Os outros despojos desta
nova tragédia são aqueles que se sabem: sofrimento de populações locais, vidas
familiares, casas e aldeias destruídas, mais uns milhares de hectares de florestas e pastos manchadas daquele negro que, de tão imenso e triste, nos derruba para uma dor a que
nenhum analgésico pode valer.
Sabe-se que a Ministra da
Administração Interna se demitiu hoje e António Costa aceitou (‘Público’).
Sabe-se até mais: depois de Pedrogão, Constança Urbano de Sousa pedira a
demissão e Costa recusara, com alegação de que seria preciso aguardar pelo
relatório da Comissão Técnica Independente; relatório este que, para quem como
eu tem uma casa de aldeia em zona florestal, vem, no fundo, repetir aquilo que
sabemos desde há décadas e uns quantos académicos repetem em comentários na
comunicação social; ou seja, as graves falhas de ordenamento do território, a
acumulação de matérias combustíveis em vastas áreas, a carência de acessos, a
orografia, a falta de patrulhamento e de vigilância, o despovoamento e o
envelhecimento nas comunidades do interior, aldeias, vilas ou mesmo cidades, e a
incapacidade dos bombeiros voluntários para as exigências do combate. No caso
presente, de inúmeras e complexas frentes de fogo acolhido em clima de seca
severa e humidade reduzida e ainda propagado por ventos erráticos e vigorosos.
Seguindo o ritual imposto pelo
calendário gregoriano, o termo da fase ‘Charlie’ implicou uma redução de recursos (dispensa
de 29 meios aéreos, desactivação de postos de vigia e efectivos de prevenção e
combate). A Ministra, agora de saída, ajudou à deterioração da ANPC, desde
sempre um abrigo para militares na reserva e militantes partidários, com a
colocação na chefia, ao que nos é dado a perceber, de gente incompetente e do
amiguismo que Manuel Alegre, no
DN de hoje, denuncia com revolta e mágoa.
Sobretudo, no verão quente e
prolongado que temos tido, a ANPC, a nível central e local, jamais poderia ter
ficado paralisada, fosse em que período de tempo fosse e, por maioria de razão,
num fim-de-semana para o qual o IPMA havia previsto ‘ventos muito fortes’,
oriundos do Norte de África e causados pelas franjas do furacão ‘Ophelia’ que atingiu
os Açores. A Ministra tem responsabilidades na falta de mobilização de meios e
de acção organizada contra os incêndios. Pedir resiliência a populações,
maioritariamente compostas por sexagenários, septuagenários e octogenários, é no
mínimo ridículo. Lamento dizê-lo.
António Costa, em relação à tragédia
de 15-Outubro, teve igualmente um discurso lamentável. Não é necessário citar.
Basta ler.
Marcelo Rebelo de Sousa
aproveitou, entretanto, para se furtar do círculo de conivência com o Governo,
criado em Pedrogão. – Nada mais poderia ter sido feito – disse então o PR.
Ontem, em Oliveira Hospital, afirmou: - A Assembleia da República que clarifique
se quer manter o governo. Isto, obviamente, é endereçar para os deputados do
BE, PCP, PS e Verdes a responsabilidade de manter a ‘geringonça’, face à
incompetência e vontade política do Governo em matéria de gestão de florestas e
incêndios. Sim, porque Marcelo ainda acrescenta: - Usarei de todos os poderes
como PR…
O sarilho está criado e Marcelo,
habilmente e invocando questões ponderosas, passou nitidamente do apoio à
oposição a António Costa. O Primeiro-Ministro pôs-se a jeito…
Sem comentários:
Enviar um comentário