O
narcisismo é um traço de personalidade muito comum em políticos. Cavaco Silva,
da governação à Presidência da República, usou e abusou desse estilo,
acrescentando-lhe uma contranaturalidade repugnante. Sempre hirto e rígido, física
e emocionalmente, emproado na comunicação e dissimulado em gestos e sorrisos
esfíngicos, chegou ao fim do mandato mais impopular de todos os presidentes do
regime democrático.
Dito
isto, a probabilidade do seu sucessor ter a simpatia das massas era altíssima.
Com Marcelo Rebelo de Sousa (MRB), a probabilidade converteu-se em realidade.
Inteligente, culturalmente superior, hábil comunicador e excelente intérprete
dos sentimentos da alma portuguesa, na campanha eleitoral e no exercício do
cargo, Marcelo recolocou a PR no coração dos portugueses. Onde passa Marcelo
passa o afecto.
A
‘geringonça’, termo que Vasco Pulido Valente inventou no vaticínio de que a
cangalhada soçobraria no dia seguinte; a ‘geringonça’, dizia eu, mediante a
política de reversão de rendimentos, tornou-se em instrumento útil para
Marcelo. A alegria assim como a dor são duas componentes do mundo dos afectos
em que o PR adora mergulhar. O pior é que ele também sabe ser volúvel.
Entretanto,
surgiram dois obstáculos de monta para a governação tranquila e de sucesso de
António Costa: o incêndio de Pedrogão e o furto de armas de Tancos. Deixemos o
caso de Tancos – denunciei oportunamente o desmazelo aqui
– e fixemo-nos no incêndio de Pedrogão.
Do
relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), extraem-se conclusões acerca
de causas e efeitos do dramático fogo de Pedrogão e concelhos limítrofes. Algumas
dessas conclusões são, naturalmente, de carácter político e atingem áreas
ministeriais da Agricultura e da Administração Interna, a primeira mais no
domínio da prevenção e gestão da floresta e a última na actuação incapaz da
Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC).
Publicado
o relatório, Marcelo não tardou a iniciar o processo de responsabilização da
Administração Pública, ao declarar em nota escrita:
“ […] Portugal aguarda com legítima
expectativa as consequências que o Governo irá retirar de uma tragédia sem
precedente na nossa história democrática”, ´Público’.
Marcelo
poderia ter também a legitimidade para exigir ao Governo que assuma
responsabilidades. Perdeu-a, contudo, ao afirmar na noite mais trágica do
incêndio que nada mais podia ter sido feito, como sublinha Pedro Santos
Guerreiro na edição de ontem do “Expresso”. O PR estava, deste modo, igualmente
submetido ao escrutínio da Comissão Técnica Independente.
O
Governo de António Costa errou, ao prolongar as políticas desastrosas da gestão
florestal das últimas décadas e, sobretudo, fazer nomeações partidárias e até
de um falso licenciado, tipo Relvas, para dirigir a ANPC. Com a incompetência
do comando local, assim como as deambulações desse comando no terreno, foi
afrontado o supremo direito da população, parte atingida até à morte, à
protecção em situações de emergência graves.
Há que esperar que, da
tragédia, resultem políticas integradas de prevenção e combate a incêndios,
executadas no terreno por uma estrutura capaz de mobilizar e organizar a defesa
da floresta portuguesa que, neste ano de seca severa, ainda está a ser pasto de
incêndios descontrolados.
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