domingo, 3 de dezembro de 2023

Ilse Losa e a Guerra em Gaza


 

Gaza

As minhas leituras de livros são impulsivas. Não são, portanto, premeditadas. Foi, neste quadro aleatório, que li ‘O Mundo em que Vivi’ de Ilse Losa, uma judia alemã de nascimento que, refugiada da perseguição nazi nos anos 1930, se naturalizou portuguesa. Casada com um português, viveu no Porto, cidade em que faleceu com 93 anos de idade, em 2006.

Ilse Losa deixou vasta obra de romances, contos, crónicas, trabalhos pedagógicos e literatura para crianças. Em 1984, recebeu o Grande Prémio Gulbenkian. O seu estilo é construído de criatividade e de uma simplicidade descritiva impressionante.

Para justificar a realidade política e social de que se evadiu: na página 148 da edição que li, Ilse Losa dá-nos a seguinte imagem da Alemanha de Adolf Hitler:

“Jovens e velhos perdiam os empregos e esperavam em bichas nas repartições de trabalho, para o selo e carimbo nos cartões do seguro social. Os desempregados enchiam as cervejarias e exaltavam Hitler, que lhes prometia trabalho e lhes afirmava serem os judeus os maiores culpados da desgraça económica do país. O nome “judeu” cada vez se tornava mais injurioso.”

Os ingredientes do ambiente político nazi tinham, pois, um cariz económico-social de crise que, na retórica xenófoba nazi, apontava os judeus como principais responsáveis, sendo, depois, compelidos a expiar as culpas através do Holocausto – cerca de 6 milhões de judeus mortos.

As causas do ‘progrom’ de autoria de israelitas actualmente em Gaza são diferentes. Tem origens étnicas e religiosas históricas, de vários séculos, e que se acentuaram depois da atribuição do território do Estado de Israel, por iniciativa dos políticos britânicos que, no final da II Guerra, exerciam um mandato de poder sobre a Palestina.

A história é mais complexa no que respeita aos conflitos religiosos. Jerusalém é cidade de cristãos, judeus e muçulmanos. Grande parte dos islâmicos nunca aceitaram o sionismo (regresso dos judeus ao Monte Sião e ao Templo ali existente). Esta é a causa profunda e remota a que António Guterres se referiu na ONU.

O Hamas, movimento palestiniano, e autor de acções terroristas contra judeus, cometeu terríveis atentados contra ‘kibutzim’ (plural de kibutz) no Sul de Israel. O assassínio de cerca 1400 judeus, de todas as idades, incluindo bebés, foi um acto horrendo e repugnante. Os responsáveis e autores do crime devem ser duramente punidos; ninguém tem dúvidas.

O que está em causa é se Israel, ao ter matado mais de 15.000 palestinianos, incluindo mais de 6.500 crianças, não está a ultrapassar todas as barreiras do proporcional e aceitável. Netanyahu e os militares estão na via do genocídio do mesmo tipo daquele que Ilse Losa fugiu na Alemanha. É a minha opinião.

Assisto nas TV’s a imensos comentários. Primeiro, nem sabia que havia tantos majores-generais. Há opiniões para todas as preferências. Uns referem com delicada minúcia as artes e os mecanismos da guerra. Todavia, nem eles, nem outros comentadores esclarecem se as leis do Direito Humanitário Internacional estão a ser violadas pelos israelitas, com a mesma dramaticidade que se aplica à acção terrorista do Hamas no Sul de Israel.

A vida neste mundo imundo prossegue com duas guerras mais mediáticas, Médio Oriente e Ucrânia, a que se deve adicionar outra, no Sudão, onde morrem milhares e a maioria ignora.