Sentir-me-ia mal comigo próprio se, antes do mais, não expressasse
tristeza e dor causadas pela hedionda onda de incêndios, em três distritos do
País (Castelo Branco, Coimbra e Leiria). Houve 64 vítimas mortais e é, acima de
tudo, por estas, e famílias, que manifesto enorme mágoa.
O meu pai, enfermeiro psiquiátrico, foi bombeiro
voluntário. Faleceu na minha adolescência. Desde então, na família ou entre
amigos mais próximos, não conheci outro bombeiro. Dada a especialidade da
profissão, era um homem sem conhecimentos de ataque a incêndios. Limitava-se a
prestar assistência a vítimas de acidentes, fossem estes fogos ou de outro género
- por exemplo, um acidente ferroviário em Vila Franca de Xira, onde passou uma
noite inteira a cuidar de feridos e a encontrar mortos.
A alusão ao meu pai não é inócua. É feita por
contraposição ao comandante da Liga dos Bombeiros, Mata Soares, que, por
excesso de exposição e comunicações televisivas, é, a meu ver justamente,
criticado por Raquel
Varela (RV).
O ‘post’ de RV cita diversas declarações de Mata Soares,
parte das quais também vi e ouvi. Mas, divergindo do conteúdo dessas
declarações, Mata
Soares ontem passou a argumentar que a origem do vasto incêndio não foi a
trovoada, mas sim uma mão criminosa. Reforça o argumento com a possessiva
afirmação “tenho para mim.” Tem para ele, acrescento eu, mas tem de partilhar
explicação fundamentada perante a sociedade portuguesa, em especial aqueles que
foram assolados pela tragédia.
À PJ, que, no dizer do Prof. Rui Pereira, foi demasiado
lesta a divulgar a imagem de uma árvore visada pelo relâmpago como causa do vasto
incêndio, competirá colher de Mata Soares o testemunho daquilo que ele diz que “tem
para ele.” A catástrofe foi demasiado grave para servir de pretexto a
presunções pessoais em termos de causas e de eventuais responsabilidades de
quem cometeu o crime da ignição incendiária.
O que se passa com o presidente da Liga dos Bombeiros é
idêntico ao que ocorre com um número elevadíssimo de comentadores e políticos
de diversas tendências. São as “bocas do fogo.” Do PSD, que tem as mãos
bastante sujas no SIRESP (veja-se este artigo do insuspeito João Miguel Tavares
no ‘Público’),
ouve-se diversas vozes a partidarizar a discussão de uma calamidade que, em geral e excepto para Mata Soares, teve origem em fenómeno meteorológico de
gravidade e consequências extremas.
Seja de que partido for, e por consequência do próprio
governo, não é legítimo e honesto usar o incêndio de Pedrogão Grande, Figueiró
dos Vinhos, Góis e áreas geográficas conexas, como arma de arremesso ou de
disputa político-partidária. Exige-se apenas a verdade e que sejam punidos os
responsáveis, assim como o afastamento dos incompetentes na condução das
operações.
Todavia, tome-se em consideração que as causas mais
remotas e profundas se situam nas políticas que os partidos da governação,
incluindo o PS, têm desenvolvido, ao longo de 4 décadas, no sentido da
desertificação do interior, da limitação de culturas e criação de gado, e na
arborização intensiva de eucaliptos.
Sou lisboeta, filho de lisboetas, com uma casa em aldeia
do Alto Alentejo. Sou espectador activo do envelhecimento da população, da
erosão dos solos e do abandono pelo Estado central, autarquias e própria GNR de
gentes e terras do interior. É tudo isto que tem de mudar. Custe o que custar.
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