Pátria do marketing, os E.U.A. registam um período histórico não longínquo,
mas recheado de eventos, contradições, especulações e de um tecido humano desde
sempre complexo.
A despeito do fim da escravatura, da hipocritamente negada arrogância dos sulistas,
da falsidade de progressos sociais, a coesão económica e social do País é um mito. A
eleição do fascista Trump – atente-se ao tipo de equipa política que está a constituir
– foi um fenómeno aberrante e de difícil compreensão, sobretudo nos círculos
culturais mais avançados do mundo. De facto, é inevitável ficar estupefacto quem
vê eleger Trump, passados quatro anos de ter renovado o mandato do primeiro
presidente negro dos E.U.A., Barack Obama.
Sociólogos, analistas políticos e comentadores, alguns tidos como sábios, têm-se
desdobrado em análises e justificações herméticas e até ininteligíveis. Com o
desempenho e o tempo, vamos, espero, poder ler e sentir a realidade da
presidência de Trump para os E.U.A. e para o mundo.
Felizmente, e agora é mais um episódio da História, um povo e um País, grande ou
pequeno, não pode ser avaliado histórica e politicamente pelo mandato de um líder
político. Trump, como Salazar em Portugal, terá o seu tempo e inevitavelmente um
legado a julgar. Aí sim, é possível realizar o balanço do desempenho político
do bilionário mediático, xenófobo, misógino e racista.
Todavia, sublinho, felizmente os E.U.A. não se reduzem a Trump. Outras
figuras dignificaram a história e a cultura do País. Pena é que, fruto do vício
do marketing, incrustado na sociedade com capital em Washington, haja gente de
muito valor que o grande público, e mesmo os pseudointelectuais dos ‘media’, ignorem.
Tudo isto vem a propósito do livro “Os Herdeiros do Vento – Antologia Apócrifa”
de Joaquim Pessoa, que vou lendo.
Na página 141, entre o mais, Joaquim Pessoa escreve:
“… Por isso, o estranhíssimo caso de Yves Moor é deveras espantoso, e ainda hoje constitui motivo de assombro para obstetras, psicólogos, críticos literários.
Nascido em Amedford, Oregon, E.U.A., em 1922, morreu prematuramente com dez anos de idade. …”
Precoce na inteligência, Moor deixou-nos o seguinte poema:
“Não tenho nada
nada a não ser a erva húmida sob os meus pés descalços
nada a não ser o fresco alento da noite sobre os meus ombros
nada a não ser este fogo
onde aqueço as minhas mãos
nada a não ser o canto das cigarras
nada a não o crepitar dos ramos na fogueira
nada a não ser o brilho cúmplice e distante
daquela estrela
talvez já apagada
cujo raio viajou milhões de anos
para chegar esta noite
até mim.”
Quem assim confessa a pouquidade, aos dez anos de vida, jamais será derrotado pelo dinheiro do bilionário beleguim que sempre se prostituiu em faustosa e abjecta
vida. Maior riqueza do que a sensibilidade e sabedoria é, neste caso, uma
enorme penúria.
Nos E.U.A. há Trump e houve Moor. Ou o mau e o bom, segundo a nossa
tradição judaico-cristã. Ou ainda o reles ignorante e mau e o génio precoce e sábio
que partiu prematuramente, mas ficou para sempre no espaço mais sublime da vida humana.
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