O espectáculo é demasiado intenso
e dinâmico. Da casa à rua, mesmo que contrariado, sou espectador frequente.
Umas vezes divertido, outras revoltado e perplexo, leio as páginas dos jornais
– nos ditos sensacionalistas, os títulos e pouco mais. Percebe-se que, de entre
outras características, Portugal é um país de segredos. Tem casa própria para
estes e um centro produtor prolífero em sede judicial.
Todavia, temos segredos e…
segredos. Jamais, por exemplo, temos acesso ao conteúdo do esconderijo de certos
casos e causas sigilosas – onde está o rosário de contas do caso BPN? Insisto: o
que se passa com os protagonistas Oliveira e Costa ou Dias Loureiro? O silêncio
tem razões inatingíveis.
Na refrega entre forças
partidárias, em função deslocações no arco do poder, temos arguidos
beneficiários de fino e confidencial trato e outros sujeitos à persistente fuga
dos segredos de justiça. Que justiça? A portuguesa, a autenticamente nacional
que Paula Teixeira da Cruz, Ministra da Justiça (!), definiu de forma
transparente e eloquente, a propósito das escutas:
“Falo para o telefone como se fosse para um
gravador”.
A um arguido, independentemente
da condição social ou política, é reconhecido o direito à presunção de
inocência até o processo transitar em
julgado. Engana-se quem imagina que as minhas preocupações se reduzem ao
caso de Sócrates. Derramam-se, essa é a verdade, por outros casos de aparente
conivência e acção ineficaz das autoridades judiciais; em atitude atentatória
da dignificação do sistema de justiça inerentes aos direitos tradicionais e
inalienáveis de um regime democrático.
Constatar o funcionamento
inquinado do nosso sistema de justiça suscita desconforto. Tem, em minha
opinião, um efeito confrangedor idêntico ao espectáculo que bastas vezes
assisto, ao ver grupos enormes de gente ‘sem-abrigo’ à volta de carrinhas de
instituições de acção humanitária. No Saldanha ou na Praça de Londres, ou ainda
por outras paragens onde abunda a aristocracia lisboeta, incluindo políticos na
actividade, é pungente ver homens e mulheres esfarrapados; envoltos em trapos
para mitigar o frio, de ar faminto, a ingerir uma sopa e um pedaço de pão num
acto tão rápido e muito sôfrego.
É igualmente penoso vê-los
isolados: um aqui, outro a dez ou vinte metros do primeiro, acamados em placas
de cartão canelado que, sob a fermentação a quente dos golos do tinto, os confortam
e gradualmente os matam, nas noites gélidas vividas compulsivamente ao ar livre.
Segundo notícia recente, a
região de Lisboa concentra cerca de um terço dos ‘sem-abrigo’ em Portugal. “Benefícios”
da capital e arredores… ou melhor, da moirama.
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