quarta-feira, 7 de junho de 2023

Voltamos aos tempos da bufaria

Um informático, com o recurso a algoritmos, criou uma aplicação de telemóvel que permite enviar denúncias de estacionamento proibido às polícias, em três tempos, no país todo e por qualquer pessoa. Parece que já foram enviadas mais de 13 mil denúncias.

O estratagema é repugnante e remete-nos para os tempos dos 'bufos' que se viveram em Portugal durante décadas. A minha geração lembra-se bem do medo que a bufaria causava. 

A minha segunda casa foi o Café do Império, perto da Alameda Dom Afonso Henriques. Perante o risco de ser preso pela PIDE, era impensável ler, à mesa do café, um livro do poesia de Manuel Alegre ou mesmo de Frederico Garcia Lorca. De resto, e apenas para um número restrito, os livros proibidos eram objecto de pré-combinada e sorrateira compra na Livraria Barata, na Avenida de Roma. Sempre às 22h e com a livraria fechada.

Quem viveu essas vicissitudes tem dificuldade de aceitar o tipo de bufaria tecnológica acima citado. 

O Dr. Manuel Soares, prestigiado juiz desembargador e presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, manifesta-se no 'Público' com clareza. Eis parte do texto publicado no jornal:

"Parece que já achamos normal que se fomente uma sociedade de vigilantes e bufos, de telemóvel em riste pelas ruas a fotografar os cidadãos na sua vida privada e a enviar denúncias às autoridades. Hoje é o estacionamento, amanhã é atirar beatas, cuspir no chão, urinar atrás da árvore, sacudir tapetes nas varandas, alimentar os pombos ou despejar o lixo no contentor errado. Um dia destes andamos todos a tirar fotos uns aos outros, a inundar as autoridades policiais com denúncias e a alimentar bancos de dados com informação sensível e reservada."

É óbvio que o governo tem de intervir no sentido de eliminar o uso deste tipo de realização e transmissão de denúncia às autoridades policiais e mesmo judiciais. PSP e GNR, principalmente.

Vamos aguardar, sem entusiasmada esperança.


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