Deveria ter cumprido esta
obrigação atempadamente, mas motivos de ordem pessoal e familiar impediram-me
de o fazer. É com dor que vejo partir uma grande mulher de enorme carácter. Na
vida pessoal, familiar e política, demonstrou ininterrupta coragem de seguir as
suas opções próprias, sem obedecer a manipulações de terceiros,
incluindo o marido Mário Soares.
A Dona Maria Jesus Barroso foi
até à última madrugada um modelo vivo, embora estivesse de partida, da mulher culta, ecléctica
nos saberes e ousada politicamente. Ter sido primeira-dama não constituiu o facto
mais relevante dos 90 anos com que partiu. O que verdadeiramente a distinguiu
desde jovem foi a grande devoção e a disponibilidade implacável para
combater o diabólico e tétrico Estado Novo.
Na sequência da luta pela democracia
em respeito pela vida e princípios de seu pai, o capitão Alfredo José Barroso,
sofreu, ela própria, como mulher, mãe, cidadã, actriz e professora do ensino
secundário, perseguições, interdições, limitações de liberdades e acções da maior infâmia, próprias do regime a que o fascista António de Oliveira
Salazar e seus comparsas submeteram o País, durante praticamente meio século.
Trabalhei com a sua irmã,
Fernanda Barroso, falecida há anos, mãe do cineasta Mário Barroso, a viver no
estrangeiro, do médico Eduardo Barroso e da falecida Graça Barroso, ex-primeira
bailarina do criminosamente extinto (em 2005) Ballet Gulbenkian.
Nos anos 60 e até à Revolução de
Abril, a convivência com Fernanda Barroso proporcionou-me muita informação de
acções da oposição realizadas pelos fundadores do PS, entre quem havia
apenas uma mulher: Maria de Jesus Barroso!
Jamais militei no PS ou em
qualquer outro partido. Todavia, por formação e seguindo também as tradições da
minha família, desde os meus dois avôs, sempre fui de esquerda.
Felizmente, na família e nos
amigos, combater contra a ditadura, pela instalação do regime democrático e
tantos ideais que, lenta mas seguramente, se foram diluindo até chegarmos ao
que chegámos com a gentalha de intrujões e demagogos que nos governam ou estão
instalados em Belém.
No PS, de resto, também existe
gente do mesmo género, i.e., reles e que procuram na política usufruir de
benefícios por práticas imorais e de total falta de ética.
Toda esta cambada, diga-se,
incomodava a Dona Maria de Jesus Barroso. A última vez que estive com ela foi
no Fórum de Lisboa (antigo cinema Roma). Disse-lhe adeus. Ignorava que seria o penúltimo.
Com grande mágoa, amanhã lá
estarei no Campo Grande para lhe dirigir o "Último Adeus, Dona Maria Barroso."
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