A figura da retórica da direita
assenta na ideia perversa dos partidos do ‘arco de governação’. No restrito círculo
artificial, imiscui-se o CDS-PP, partido minoritário que, em média, obtém 8 a 10%
de votos.
Todavia, e a despeito da condição
de menor, reivindica o estatuto de ‘partido de poder’. Sempre que o PSD vence,
com maioria insuficiente para, por si só, formar governo, lá vai o Dr. Portas e
a sua trupe de obedientes para o governo. Foi assim com Durão Barroso e a
história repetiu-se nas legislativas de 2011, onde, excepcionalmente, teve
11,70% de votos que se somaram aos 38,65% do PSD. Consequência: uma maioria
absoluta de 50,35%.
Sucede que, nas últimas
legislativas, 4 de Outubro de 2015, o PSD+CDS, coligados ou não (caso de Açores
e Madeira) registaram 38,36% de votos (107 deputados). Em contrapartida, o PS
(32,31%), o BE (10,19% e o PCP (8,25%) totalizaram 50,75% de votos (122
deputados). O PAN obteve 1 deputado eleito.
O Art.º 187, n.º 1, da CRP,
estabelece:
“1. O Primeiro-Ministro é
nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na
Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.”
O que são os resultados
eleitorais a ter em conta segundo esta norma? Os votos contados nas urnas, em
que a maioria é vencedora, mas apenas com uma vantagem relativa ou o número de
deputados eleitos para a AR pelos diversos agrupamentos possíveis, PSD+CDS, por
um lado, ou PS+BE+PCP, por outro?
Reside, pois, nas divergências de
interpretação do conceito constitucional de ‘resultados eleitorais’ que direita
e esquerda esgrimem argumentos a favor da legitimidade do direito à governação.
Caso a CRP referisse
explicitamente tratar-se de resultados eleitorais nas urnas, não haveria
dúvidas quanto ao vencedor. E a dúvida ainda se tornou mais premente, uma vez
que, a certa altura, Pedro Passos Coelho, das muitas coisas que diz sem pensar,
admitiu publicamente transformar a coligação eleitoral numa coligação
pós-eleitoral, para fazer face a eventuais dificuldades levantadas pelos
adversários.
De tanto falar sem reflectir nas consequências
do discurso, acabou por reforçar a legitimidade dos partidos de esquerda para a
formação uma aliança pós-eleitoral e pró-governamental, participada por esses
partidos ou apenas pelo PS, mediante o apoio de um acordo de incidência
parlamentar, o qual poderá vigorar em parte ou no tempo total da legislatura.
Com o que se está a passar, e já
depois das reuniões dos partidos interessados com o PR, vislumbra-se que Cavaco
Silva, por falta de distanciamento político-partidário, acabará por nomear
Passos Coelho para a formação de governo.
Coelho simulará fazê-lo sem
especial empenhamento, se entretanto não assegurar o apoio do PS. Se os
socialistas decidirem garantir comprometer-se com suporte de carácter
parlamentar, a coligação eleitoral PàF, com uma ou outra cedência programática,
acabará por assumir governação. Mas, mesmo neste cenário, ignora-se o tempo de
vida do governo.
Caso os socialistas insistam com
a coligação com BE e PCP, prognostico que o PR não deverá optar por esta
alternativa; porém, de Cavaco tudo se espera e, tendo garantido que não nomeará
qualquer governo de gestão, levará até ao último esforço a escolha da parceria
PSD+CDS.
Bom, a trapalhada é de tal ordem
que, ao contrário de outros países da UE, Dinamarca por exemplo, Portugal chega
a uma situação de quase ingovernabilidade; esta sim, com repercussões difíceis
de imaginar, no seio da UE, da Zona Euro e da Alemanha que, afinal, são os
centros de poder que detêm parcela substancial da nossa soberania.
António Costa, caso se mantenha à
frente do PS após a próxima reunião da Comissão Política Nacional da próxima
5.ª feira, terá igualmente de medir os riscos de levar por diante o processo de
coligação à esquerda. Se houver ruptura, e se o próximo PR, decorrido o prazo
estipulado na CRP, convocar eleições, a direita, PSD+CDS, terá enorme
probabilidade de obter uma maioria absoluta. A tendência dos votos decisivos,
do chamado centro, faz presumir que os partidos da PàF poderão vir a obter essa maioria absoluta, ou seja, uma situação semelhante à conseguida por Cavaco em
1987.
O tempo e os problemas do povo
português exigem que a escolha dos partidos que o governarão se faça com a
maior brevidade. A situação social, económica e financeira não se compadece com jogos de poder.
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