sábado, 26 de abril de 2014

Da ‘união nacional cavaquista’ à contestação nas ruas

O PR, em respeito pelas tradições instituídas, fez o discurso da praxe das comemorações do 25 de Abril na AR; este ano a histórica data completou o 40.º aniversário.




De forma igual aos antecessores, comprometeu-se a ser o presidente “de todos os portugueses”. Revelou, uma vez mais e na forma inábil do costume, a hipocrisia de que se serve em actos públicos. Em cerimónias de circunstância, e com mais gravidade nos actos políticos, tem demonstrado constantes vacuidades discursivas, propósitos dissimulados e aleivosos em relação aos interesses do povo português.
O estatuto de primeiro magistrado do País não o inibe, pois, de se imiscuir de forma condenável na vida partidária, privilegiando, às vezes sub-repticiamente, outras com claríssima impudência, o partido em que se reconhece e esse estranho aliado, em particular para ele, chamado CDS de Paulo Portas, homem que há anos o rebaptizou de Salazar.
Na escolha dos membros do Conselho de Estado – a obstinação abjecta de ter alongado a participação nesse órgão do amigo Dias Loureiro, suspeito de envolvimento no grave ‘caso BPN’, por exemplo – como nas relações com governantes e os cidadãos, Cavaco, de rectilínea figura e sorriso ridiculamente geométrico e artificial, é, de facto, uma personagem que deliberadamente se molda em função de quem fala – raramente nomeia adversários políticos, por falta de frontalidade – e dos actos de que, em tão pretensiosa como falsa sabedoria, se posiciona como juiz supremo.

O discurso proferido na AR não se desviou um centímetro do perfil e comportamento definidores do homem que ora preside à nação, sob o estigma do provinciano de Boliqueime, imigrante na capital e em centros de poder meticulosamente conquistados, segundo planos traçados com a frieza própria de quem, em primeira instância, tem os seus interesses como fundamento decisivo.
Na sociedade dinâmica e complexa em que vivemos, os portugueses precisariam, na AR, de alguém muito distinto, possivelmente até de personalidade oposta à de Cavaco Silva. Este é o homem que, no período democrático, com exótica e/ou ingénua conivência dos cidadãos, durante mais tempo vem a exercer altas funções políticas. Iniciou-se em PM, após uma viagem casual de estreia de carro à Figueira da Foz. Depois com a viatura bem rodada e estruturada, passou a viajar entre a Travessa do Possolo e Belém – uma mescla de trajectos físicos e políticos que marca o acesso com êxito ao poder.
Desde há mais de uma ano que o grande desígnio do presidente Silva, como o denominou o ‘laranja’ e boçal madeirense Jardim, é alcançar a institucionalização da “união nacional cavaquista”, tentando amarrar e subordinar o PS ao projecto político que, no curtíssimo e simultaneamente alongado prazo, tem sido devastador para milhões de portugueses, salvo as habituais excepções – o seu amigo Catroga, por exemplo.
Desde que o PSD seja o maestro a escolher a obra e a dirigir a sinfonia, o PS integra a orquestra para executar a música neoliberal do partido da Lapa. Cavaco, se conseguir moldar António José Seguro a este figurino e alcançar o desiderato desejado, não me surpreenderá. Consolidará de forma institucional e mais sólida a marginalização dos partidos da ala esquerda do Parlamento, PCP e BE, que representam algumas centenas de milhares de portugueses que o PR despreza como tantos outros que, embora afectos a outros domínios, não se imaginam marginalizados.
O País está de rastos e de rastos continuará até que a direita esteja amparada num presidente – e que presidente! – numa maioria – e que maioria! - e num governo – e que governo!
Em respeito pelo sublime vocabulário de Coelho, isto, para os cidadãos, é uma “maçadoria” para a qual não nos é possível “lixar”. Sim porque “lixados” já estamos nós. E hoje, em Lisboa e no Porto, fundamentalmente, houve mais de duas centenas de milhares de manifestantes que reclamaram a queda do governo. O PR sabe, mas ignora, porque não é claramente o seu povo quem contesta o governo na rua… ou mesmo no ambiente caseiro.

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