Chamemos ao processo ‘refundação’, essa palavra mágica e misteriosa usada por Passos Coelho. Conquanto aplicada a propósito do ‘memorando da troika’, o sentido do termo é, no caso, amplo, propositadamente ambíguo, restando-nos apenas uma certeza: agudização da austeridade com eliminação de direitos de cidadania, consagrados na CRP e corporizados no SNS, no sistema educativo público, na Segurança Social e, diz o Mendes, na defesa e na justiça.
Trata-se, de facto, de um processo composto de quatro actividades principais, a primeira das quais foi a entrevista do “troikano” Selassie, aqui traduzida – curioso o facto de ser o FMI a entrevistá-lo.
Da longa lenga lenga do etíope, destaco a seguinte passagem:
“O governo está a realizar uma revisão abrangente das despesas públicas, exactamente para localizar e identificar onde as poupanças podem ser feitas de forma produtiva. […] Estamos ansiosos pela revisão das despesas para colocar sobre as áreas onde a poupança pode ser feita”
Neste jogo de enigma sobre enigma, Passos Coelho mandou com a ‘refundação’ para a discussão pública. Não contava, por certo, que o bisbilhoteiro Marques Mendes viesse a anunciar na TVI que o FMI já está em Portugal, a preparar os cortes de 4 mil milhões de euros, na defesa, justiça, segurança social, saúde e educação.
Quem não gostou da brincadeira – ou de ser encornado, como diria o Granadeiro – foi o PS que pela voz de Pedro Marques manifestou indignação.
Mas, para mim, a indignação é apenas um estado de alma. Há que passar à acção. E por muito que o D. Policarpo deteste, é na rua o local onde o povo terá de lutar pela queda do actual governo e por uma gestão humanitária da crise, afastada de tão severa austeridade e assente em crescimento económico.
O país, através das nacionalizações, do desemprego e da emigração maciça de jovens habilitados, está a desmembrar-se. Subsistirá uma população marcadamente envelhecida e desvalida, parte dela em acelerado percurso da morbidez.
Será que teremos de regressar à “Sopa do Sidónio” de 1940 a 1945, período em que se intercala o ano mágico de 1943 que o governo repetidas vezes utiliza para apregoar o “sucesso da balança externa” actual? Quando o dinheiro escasseia, o consumo cai e as importações diminuem, basta que as exportações cresçam alguma coisa para que as trocas externas produzam saldos favoráveis. Além do mais, dada a nossa presença em África na época, querer comparar saldos comerciais de períodos tão distintos é um disparate.
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