domingo, 11 de novembro de 2012

Afinal pobreza é mesmo profunda convicção

                                  “Vamos ter que empobrecer muito,

                                    vamos ter que viver mais pobres”

Isabel Jonet
A Jonet insiste na tese do empobrecimento. Pensei ter sido ‘lapsus linguae, como dizia o outro, mas a ideia do empobrecimento generalizado corresponde a profunda convicção.
Vamos, então, viver todos mais pobres. Teremos comida escassa em calorias, vitaminas e proteínas. Açorda, arroz com gorgulho, restos de fruta podre, com fartura, serão a essência da dieta nacional.   Nada de salários acima do mínimo – só abaixo - e de bens supérfluos. Nem a mais humilde ostentação, mesmo que seja a pulseira do ‘Senhor do Bonfim’ achada no chão da calçada. 
Jonet, de resto, está a preparar a inauguração da sede do piedoso movimento ‘Empobrecer é o nosso dever’, no concelho de Cascais. A iniciativa está a colher intensa adesão. Até homens da banca a super-merceeiros, acompanhados de mulheres, filhos, noras, genros, netos e bisnetos, apresentaram-se solícitos na formação do exército dos pobres, de trajes andrajosos, sapatos de sola esburacada, sem relógios, pulseiras e outras jóias.
O movimento está em expansão a nível nacional. O bispo D. Manuel Clemente do Porto vai decretar a extinção de todos os paramentos e ornamentos em cerimónias eclesiásticas. Será ordenado aos padres que passem a realizar os sagrados sacramentos, da missa à extrema unção, descalços  - sob autorização franciscana - de bermudas e “T shirt”. Esteja frio ou calor, chuva ou tempo seco. D. Clemente teve sucesso no convite ao trabalhador-mor da cortiça, mulher e filhas, bem como a outros ricaços nortenhos que vão renegar a fortunas de valioso capital, contas no estrangeiro, bens de luxo e avultados saldos bancários.
A nossa Jonet, na dinâmica do lançamento do movimento, já decidiu mudar de residência. Com a criançada,  vai para uma casa abarracada no bairro do ‘Fim do Mundo’ em Cascais. Terá como vizinha a D. Josefa, uma senhora cabo-verdiana, ‘badia’ nascida na Assomada, Santiago.
Ao contrário da gente do bairro, pobre e composta de diversos tísicos e outras vítimas de patologias geradoras do emagrecimento, D. Josefa é gorda, o que lhe vale alguns insultos: ‘traidora’, ‘oportunista’, ‘comes o que é teu e o dos outros’.
Coitada da senhora! Os ignorantes vizinhos não percebem que não é gordura, mas inchaço causado pela cortisona.
Jonet vai dar-se bem com a vizinha. Estou a imaginar as duas ao tanque, de tamancos, a lavar a roupa com sabão ‘Offenbach’; o azul e branco que caprichosamente se transforma em rosa e branco no  Norte. Está decidida a definhar, exibir a face da magreza e muito rugada.  Os filhos aprenderão a ser pobrezinhos, não desperdiçarão água a lavar os dentes e, daqui a uns tempos, exibirão pobres sorrisos decorados de cáries - nem água canalizada terão.

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