quarta-feira, 2 de maio de 2012

Dissequemos a operação ‘Pingo Doce’

fotoPDA singular, porque original e arrojada, operação de promoção no 1.º Maio dos supermercados ‘Pingo Doce’, da Jerónimo Martins, pode ser analisada em diversas vertentes. Dessa diversidade, destaco os capítulos principais:
1) Acção de marketing:
A JM, em bem conseguida operação de marketing, centrada na redução drástica da variável preço, disponibilizou aos consumidores que, no 1.º de Maio, adquirissem, pelo menos, € 100,00 um desconto equivalente a 50%. Sem restrições ou exclusões das inúmeras classes de produtos, dos alimentares a bens não duráveis – dito de outro modo, da margarina ao micro-ondas, passando pela cerveja e o vinho, o ‘Pindo Doce’, nas condições referidas, concedeu um valioso desconto de 50%. A acção de marketing, uma vez colocada no terreno, revestia-se da probabilidade do enorme sucesso registado, ainda que com os conflitos e o ambiente de guerrilha vivido nas lojas.

2) Significado político
Ao programar a acção para o 1.º Maio – data em que o chamado canal da distribuição moderna costumava encerrar as lojas em respeito pelo ‘Dia do Trabalhador’ – a JM não agiu inocentemente; provou que, com a promoção em causa, mobilizaria, como mobilizou, mais consumidores do que os aderentes às manifestações tradicionais. O governo, ainda por cima discípulo fidelíssimo das teorias neoliberais do mercado,  nada fez para conter a operação e mais: até aproveitará dos efeitos sociais e propagandísticos da mesma. Conta também para isso com o ex-comunista e hoje esclerosado, Manuel Villaverde Cabral, e muitos outros enfiados nos chapéus e barretes da festa.
3) Significado legal
Ao abrigo do DL 370/93, Art. 3.º, nº. 1, “É proibido oferecer para venda ou vender um bem por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, acrescido de impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte”. O citado artigo exclui alguns géneros de produtos, como por exemplo os “bens perecíveis ameaçados de deterioração rápida”, mas as excepções constituem, de facto, uma minoria face à oferta total dos lineares de uma média ou grande loja ‘Pingo Doce”.
4) Fiscalização da ASAE e aplicação de sanções
Anuncia o jornal ‘Público’ que a ASAE vai investigar se há actos ilícitos na promoção do ‘Pingo Doce’. O ‘Jornal de Negócios’, por sua vez, adianta que a ASAE já está no terreno a fazer a investigação. Do que conheço desse terreno, e não apenas como consumidor, tenho dúvidas de que a ASAE tenha condições para analisar com sucesso, de forma rápida e expedita, se a insígnia PD transgrediu, de facto, o estabelecido no DL 370/93. A quantidade de produtos envolvidos em combinação com o n.º de lojas no País formam uma matriz demasiado extensa e densa, para se seleccionar a informação de PVP e Preços de Aquisição a fornecedores, de forma rápida e fiável exigida pela análise. Pode ser que sim, mas duvido muito. É mais fácil a ASAE fechar, como fechou perto de minha casa, um restaurante por quinze dias, por ter um armário de madeira onde guardava a louçaria e talheres, do que agir com eficácia sobre o caótico 1.º Maio do PD.
Por outro lado, e segundo li algures, o ‘Pingo Doce’ poderá incorrer numa coima de 15 a 30 mil euros, no máximo. O que é uma valor mais do que ridículo que deixará Alexandre Soares dos Santos às gargalhadas e a congeminar com a administração financeira do grupo JM a operação de transferir para lugar seguro e amigo, a Holanda, parte dos milhões que ontem encaixou; vá lá saber-se à custa de quem – um tanto, pouco, dele próprio e de mais uns quantos fornecedores a quem eventualmente foram extorquidos avultados montantes, em prémios para colocar os produtos em linha (nas prateleiras da loja) e no apoio a promoções; tudo isto segundo o diktat: ou dás x (um elevado x) ou não vendes mais um cêntimo em qualquer loja nossa. Isto a ASAE não controla, nem fiscaliza.
A famigerada agência teve esta intervenção no leite, porque a pressão do sector da produção leiteira foi, de facto, grande. Todavia, ao que se sabe, a esta dimensão, foi caso único até hoje. Mas, mesmo neste caso, como na promoção do ‘Pingo Doce’, quem acabará por deliberar e aplicar a multa é a Autoridade da Concorrência – e desta nem falo, porque tenho o hábito de me calar sobre pessoas ou instituições sob justificada desconfiança – veja-se o caso dos combustíveis.
5) Impacto social
Por último, temos o impacto social da promoção. Houve murros, pontapés, estaladas e agressões de diversa ordem, segundo o jornal “i” que apresentou a notícia sob um sugestivo título: “O ano em que o dia do trabalhador passou a dia do consumidor”. Está tudo dito. Claro que houve conivência de muitos portugueses; uns por carência, outros por sentido de oportunidade, os que lá foram aproveitaram.
Futuras promoções
O curioso desta inédita história – creio que ter tido os efeitos que teve e ser realizada no ‘Dia do Trabalhador’ é mesmo inédita a nível mundial – o curioso, dizia eu, é saber que os analistas estão mais preocupados do que os operadores do sector com a descida abrupta das margens, em particular a Sonae, que vai replicar, e o ‘Pingo Doce’, que vai repetir.
Disseram alguns académicos, em discurso temporão, que a operação não coloca em causa o funcionamento do mercado e da concorrência, uma vez que os efeitos foram efémeros e, de modo algum, podem causar uma tendência monopolista de uma empresa, devido à concorrência desleal e agressiva que move às restantes. Como é que podem garantir esse desfecho? Ainda agora a procissão vai no adro. Outras operações se avizinham.
E permito-me deixar uma advertência ao Sr. Alexandre Soares Santos: ganhar uma batalha não é vencer a guerra.

  

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